“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Olivier Café – Cetins sem brilho

Cai-não-cai? Treme, mas não cai?

Dia intenso. Com uma moção de censura anunciada, saio da Assembleia da Republica a fazer contas à vida para o próximo mês. O país fica parado, mas o corropio nos corredores terá doses extra!

A noite invernosa não ajudava a aliviar tamanho pessimismo, mas contava eu abrigar-me no aconchego do Olivier Café para afastar, por umas horas,  o ambiente de crise que se vive por estes dias.

Confesso que preferia a anterior decoração de bistrô parisience. Na renovação, ganhou cor, é verdade, mas também acentuou um ar “novo-rico”, de duvidoso gosto.

Aligeirou-se o serviço. O serviço e a cozinha também, foi o que me pareceu. E se eu queria fugir à crise, no instante em que entrei, tive sensação diversa. A sala em L, fechada a metade por umas cortinas corridas que admitem abrir se eu quisesse optar por esse lado. Mas quem quer ficar numa sala vazia? - pergunto aos meus botões. Prefiro uma das três mesas que me dão a escolher, junto a outras três que já estavam ocupadas.

Segundos depois tenho já a ementa. Procuro o carpaccio de polvo que sempre apreciei desde os saudosos tempos do Olivier na Rua do Teixeira. Diz-me a menina que não está na lista porque “faz parte do amuse bouche composto por cinco entradas”.

Ainda estou a consultar a carta e lá vem para a mesa, sem que seja encomendado,  o misto de entradas, “amuses bouches”,  num conceito adulterado como se vê,  até na escrita.  A pequenissima entrada, habitualmente servida como cortesia,  entendida como  “ mimo do chefe” e que serve de apresentação, aqui paga-se e custa 12 euros por pessoa. Um carpaccio de polvo, outro de carne, um paté com cebola confitada, mais um taco mexicano e o folhado de queijo que fica à espera que se esvaziem primeiro os outros pratos. Mais um cesto de fatias de pão e um pratinho de azeite sem história.

Ritmo de serviço estranho! Já tinha tudo em exposição em cima da mesa e continuava eu de carta na mão sem que tivesse ainda hipotese de encomendar  o prato principal e o vinho!!!

É no copo, com um Quinta de Carvalhais, encruzado, que encontro a alma que faltou à comida.

O carpaccio de polvo com molho de pimentos, sem vida, “a saber a frigorifico”; o de carne mostra-se já cozido pelo tempero; o taco mexicano, mole;  paté de produção industrial, a reclamar por melhor fornecedor; o folhado de queijo, requentado.

Longe, tudo muito longe do brilho de outrora. Salvou-se o lombo de cherne sobre legumes e molho de lemon grass. Boa matéria prima. Não deslumbrou,  mas apresentou-se com boa cocção.

Na sobremesa, meto a colher no prato em frente. Deixo passar no exame o petit gateau, um dos ex-libries do Oliver, mas reprovo o gelado industrial de baunilha. Também pede melhor fornecedor, ainda que,  num restaurante deste nível,  uma simples sorveteira pudesse evitar os arrepios da decadência.

Quando escrevo este texto já se conhece o destino que vai ter a moção de censura de Francisco Louçã e retenho a reacção de Francisco Assis ao considerá-la “um murmúrio”. Pode parecer falta de inspiração, mas não resisto a usurpar a imagem.

Também este Olivier Café se mostra como um murmúrio do glamour do passado. Nada que não tenha emenda. Bastará, talvez, que o “Chef” Olivier se liberte mais da Avenida e volte a repartir as atenções com este filho mais velho.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Tributo a Santi Santamaria

A minha experiência com este chefe catalão começou em Madrid. O Sant Celoni, na Castelhana.
Dessa noite gelada, mais do que os sabores, retenho na memória, a excelência do serviço e uma lagosta que...não foi servida!
- Pedimos desculpa, mas vamos demorar mais 20 minutos, porque a lagosta não saiu como queríamos.
Um ou dois anos mais tarde, estive na Catalunha para jantar no El Bulli de Adriá. Jantar único, experiência e sabores de uma vida.
Aproveitei a deslocação para subir aos céus no prazer da mesa. No dia a seguir, lá estava a reserva feita para o Can Fabes, de Santi Santamaria, em Sant Celoni; e a descer na escala das estrelas Michelin - que, à época, os irmãos Roca eram ainda injustiçados -, marquei também no mapa El Celler de Can Roca, em Girona.
Bem sei que Santi Santamaria e Adriá se desfizeram numa guerra de tachos; insulto aqui ou ali, não consigo ser árbitro no tira-teimas. Um, clássico, o outro, pós-moderno. Imagino um, de avental, junto a um grande fogão de cozinha, de garfo ou colher na boca, a dosear o sal ou a pimenta. O outro, irreverente, a fazer rebentar foguetes – ou, no caso, pipocas -, a gozar com a minha cara de espanto.
Vivi uma noite memorável no El Bulli, certo. Mas bem mais aconchegante e terrena, foi a noite seguinte, em Sant Celoni. Guardo as imagens e o desejo de voltar para provar a herança.













sábado, 12 de fevereiro de 2011

Filosofia do vinho ou “sabores de boca”

"A penicilina cura os homens, mas é o vinho que os torna felizes."
(Alex Fleming)

Jantar vinico! Confesso que não me entendo com a expressão: jantar de vinhos? Sim, e entâo?  Não é assim sempre, para quem tem a felicidade de gostar e poder beber?

Para mim, o vinho faz parte do jantar, refeição de relaxe, por excelência. Posso apreciar uma simples salada, um pedaço de queijo e...lá está ele, no copo, à minha frente, ufano, a mostrar-se em mil brilhos, seja branco ou tinto, ou ambos. Complementa uma refeição. Dá-lhe vida. Põe-nos de bem com a vida.

Mas, para mim, vinho sem gastronomia perde todo o encanto e prazer. É da harmonia entre o copo e o prato que tiro toda a magia da mesa,  com boa companhia, claro está, que comer sozinha serve para matar a fome,  mas é como um pãozinho sem sal: insonso! Fraquezas!

Garantida a melhor companhia do mundo, pelo menos a do meu mundo, registei uma newsletter no mail que me daria as duas outras componentes para completar a trilogia.

Um jantar com vinhos da Quinta de Sant’Ana a servir de pretexto, se é que são precisos pretextos  para ir ao Gspot.

E lá estavam os donos da Quinta, James e Ann Frost , um inglês e uma alemã, com o enólogo português António Maçanita, a dar a cara por um projecto que  ensaia os primeiros passos na Estremadura, numa quinta vizinha à Tapada de Mafra.

Ainda antes de me sentar à mesa,  recebo à prova um copo de Rosé 2009, fresco, mas com pouco aroma, com final doce e um grande ponto de interrogação à frente: porquê esta moda, agora, de todos os produtores fazerem rosé?

Adiante, que de vinhos não percebo nada e a parte mais interessante é já quando estou de garfo e faca. Para entreter, mexilhão gratinado com molho holandês, salada de aipo, pêra e feijão verde, cru, cortadinho como se fosse cebolinho. O toque de irreverência que me pôs com todos os sentidos em alerta máximo!

No copo, um Alvarinho 2009, já que  irreverência com irreverência se paga e é reconhecidamente ousado usar Alvarinho na Estremadura! Mas este Quinta de Sant’Ana não é um Alvarinho puro, fico a saber logo de seguida.  Para a mistura entra o Verdelho e o Riesling. Duas castas portuguesas e uma alemã a darem corpo à etimologia  do projecto.  Mas, “não é um vinho de frutinha” avisa o enólogo. Já eu tinha percebido. Tem boca, mas não tem aroma. Estrutura tensa, oiço dizer e...recomeça aqui a minha admiração pelos adjectivos que os entendidos usam para descrever um vinho!

Um vinho tenso? Uhmmm??? Que quererá isso dizer?
Com tanto stress que a vida nos oferece hoje em dia e ainda temos que contar com mais esta...

Já a conversa ía animada, quando chegaram as vieiras salteadas com consomé de ervilhas, creme de citrinos e romanesco.  A couve, em crocante caramelisado para dar textura ao prato. Toque exótico:  umas ervilhas com wasabi, a pontuar. O estomago já mais calmo, apesar de no copo continuar o tal vinho tenso...Seja! Tenso ou não, a mim, o que sobressai, é a falta de aroma.
Estava eu ainda nos pontos de exclamação e já o copo tinha sido trocado pelo Sauvignon Blanc 2008. Mais um vinho contido no aroma! No prato estava um pregado envolto em massa Brick, puré de couve flor e alcachofras salteadas. Ao meu lado, gente entendida, fala-me em relva cortada e...Uau!!! Fico zonza com tão apurado palato! REL-VA-COR-TA-DA?! Cheiro a relva, sei o que é, mas qual será o sabor da dita? Um golo e outro e mais outro.  Procuro essa reminiscência no copo, mas  definitivamente...não tenho jeito para ruminante! Volto  a minha atenção para a comida. O peixe fresquissimo, com o brick finissimo e bocadinhos inteiros de couve flor a emprestar crocante ao puré. Muito Bom.
“Já estávamos a pedir aroma!” é a exclamação que me chega do lado quando saltamos dos brancos para o tinto. Homenagem ao Baron Gustav Von Fürstenberg 2007. Na boca, um vinho suculento, com corpo. A prova mais interessante da noite, com comida a condizer: “Bife” de rabo de boi com orecchietti salteado e molho de frutos vermelhos. Um naco  em forma de bife com cogumelos shitake, tudo embrulhado em redenho.  Ui, ui! Sabor bem apurado, a satisfazer o palato mais exigente.  A contribuir para o mimo do prato,  um inspirado detalhe de “pintas” de iogurte grego com funcho e rábano,  a emprestarem frescura. Casamento aprovado.
E o final só não foi feliz porque o moscatel  de consumo caseiro ficou áquem das expectativas. Salvou-se o creme brulée, flor de laranjeira, espuma de chocolate branco e gelado de noz.  Tudo a saber assim, como é descrito. A merecer vénias.
Alexandre Dumas dizia que “o vinho é a parte intelectual da comida”. Seja! Ignorante me confesso, rendida a tamanha sabedoria, mas só respondo pelo que me sabe bem!