“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


sábado, 22 de janeiro de 2011

Aquarela – Uma pinturinha feliz!

Gravador, check. Cabo de Microfone, check. Microfone, check. Pilhas, check. Auscultadores, check. Cabo de USB, check. Computador, check. Telemovel, check, carregador, check. Guião do dia, chek. Mais, a mala, carteira, chaves do carro... faz mala, desfaz mala e tudo tem de estar ok à entrada para o carro numa qualquer cidade ou vila do país.

Em contra relógio, muitas vezes ultrapassando todos os limites de velocidade e violando todas as regras do código da estrada... durante duas semanas, a percorrer o país de lés a lés. Quilómetros e mais quilómetros, para paragens de 15 minutos em arruadas programadas, tentado seguir a comitiva para locais que não existem no mapa.

Foi o meu dia-a-dia nestes dias de campanha, atrás de Cavaco Silva, na pior campanha gastronómica que alguma vez fiz!!! E olhem que tenho uns... 20 anos de experiência de campanhas!!!

Arruada, declarações, montagem de peça, envio do trabalho para a rádio, quilómetros, lar de idosos, quilómetros, almoço-comício, gravação, envio do trabalho para a rádio, arruada, encontrões, pisadelas, empurrões, quilómetros, mais outra arruada, apertões, encontrões, carro mal estacionado, manifestações, gravação, envio de trabalho, mais um encontro com empreendedores ou visita a uma associação, mais um jantar-comício!!!

Sem fuga possível e, praticamente, sem intervalos, com uma pergunta sem resposta: o que leva tanta gente a pagar entre 10 a 16 euros por comida intragável e vinho de mesa tascoso????!!!! Pior do que carne ou lombo assado, a ração habitual de campanha, só mesmo... arroz de trinca!

Não conhecia a expressão, mas visualizei o prato num dos jantares-comicio onde estavam pouco mais de mil pessoas: arroz para cães...com pedaços de carne!!! Despejado às colheradas nos pratos, qual gamela! Perdi a fome, confesso. Para aconchego do estômago, serviu um iogurte liquido, comprado horas mais tarde numa área de serviço.

Mas, em contrapartida, como recordação desta campanha, guardo um pão que comi em Alcobaça, num almoço com agricultores, no Your Hotel & Spa. O menu até era apelativo, mas entre gravações e envio de trabalho, foi esse o meu almoço: pão. Mas que pão!!!

Guardo também na memória, outro almoço, em Sta Maria das Lamas. Esse, sem o candidato nem apoiantes por perto. Visita às cortiças do Amorim. O candidato ficava para um almoço privado, os jornalistas tinham...via verde para almoçar.

Entre gravar intervenções, escrever, montar peça e enviar trabalho, a sobrar pouco tempo e a dividir qualquer espaço de mesa entre prato e computador! E há a sinalética que não ajuda. Experimentem ir para... Sta Maria das Lamas!

Por isso, sem desvarios, pouco exigentes, escolhemos o primeiro restaurante que nos apareceu pela frente. A sorte protege os audazes!!! Aquarela!! Registo o nome.

Buffet ao almoço e “à-la-carte” ao jantar, informa-me uma das simpáticas empregadas. Por seis euros e meio tinha pela frente uns robalinhos magníficos, fresquíssimos e bem escalados, dourada grelhada, polvo macio, garante quem experimentou, fêveras grelhadas, carne de porco à alentejana, prato vegetariano de massas e  uma imensa variedade de saladas, fora as pizzas feitas na hora, pizza de alho a servir de pão e ainda um magnifico buffet de sobremesas por mais dois euros e meio!!! Qualidade na matéria prima e no serviço, leveza na carteira... só no norte!!!

Mais o carinho com que somos tratados! Tudo muito inho. WC? Desce as escadinhas e, à sua esquerda, a portinha vermelhinha. Obrigadinha!

Sem nenhum favorzinho, quando voltar a Sta Maria das Lamas, é aqui que vou voltar a almoçar ou jantar. Com a certeza de ser bem servida e bem recebida.

Aquarela
Av. Com. Henrique Amorim – 243 r/c
Santa Maria das Lamas
Tel 220 812 788

sábado, 8 de janeiro de 2011

Gambrinus – O que é bom, é bom é...

Por onde começar neste início de ano? Pela tradição, pois claro! Ano Novo, comidas de sempre.

Se é assim em casa, porque iria fazer diferente, na escolha do restaurante?

Sobrevivi aos sonhos de manga em calda de poejos, obrigatórios cá em casa, já há alguns anos, mais os sonhos tradicionais de abóbora; sobrevivi às azevias, filhoses e coscorões e deliciei-me com o Bolo Rei da Garrett e com o pudim Abade de Priscos, em dose dupla. Não resisti aos mexidos, nem à ambrósia.

Saboreei o bacalhau da consoada com batatas a saber a batatas, que mão amiga me fez chegar directamente da quinta; o perú, que cá em casa nunca sobra, de tal forma ele fica macio e suculento, com um recheio de chorar por mais; as perdizes feitas à Convento de Alcântara capazes de converterem os mais descrentes; o faisão com farofa de pão alentejano, alecrim e frutos secos, irresistível; o Pato Real assado, com azeitonas e arroz selvagem, a merecer palmas; divina, a sopa Valéry Giscard d’Estaing, numa receita de Paul Bocuse, seguida à risca, e que não envergonharia o autor, com trufas negras, fresquinhas, trazidas directamente de Paris por outra mão amiga; fui contribuindo com a focaccia que fiz e repeti vezes sem conta...

Um põe-mesa-tira-mesa sem intervalo,  entre o Natal e o Ano Novo. Com casa cheia e sem empregada, que aproveitou a quadra para... fazer um cruzeiro! Verdade! Croácia, Turquia, Veneza...

E eu, voluntária à força, no papel de assistente de cozinha e entre tachos e toalhas, sem dar descanso à esfregona e ao aspirador.  No final de todo este trabalho (es)forçado, sobrou apenas a censura horrorizada da minha manicura porque, no pecado da gula, esse,  fui gerindo, sem grandes gritos nem apitos, na hora de subir para a balança...

Ora, depois de todo este lufa-lufa, já só queria sentar-me a uma mesa para um jantar a dois. Uma comidinha simples, servida com delicadeza, sem ter de pensar depois em arrumar pratos, copos e talheres. Opção sempre difícil num Domingo à noite, em Lisboa. E qual grávida, de desejos, só me apetecia... uma singela alheira de caça! A cereja no bolo, a servir de prémio de consolação.

Uma alheira, das verdadeiras, com muita chicha, com grelos, ovo estrelado e batatas fritas. UAU!!!  Tudo a que tenho direito, que a balança pode estar avariada e este blog é vedado a nutricionistas...

Bom! Não conheço muitos restaurantes em Lisboa que possam corresponder ao pedido. Há o Cimas, antigo English Bar, no Estoril, e há o Gambrinus... aquele onde se dá a ideia de que o desejo do cliente se transforma em realidade num simples estalar de dedos. Cimas,  encerrado ao Domingo. Fica para a próxima. Ala, que se faz tarde, para as Portas de Santo Antão.

Sem reserva, restaurante cheio (!!!), sou encaminhada para a sala interior, ainda assim recebida com aquela elegância calorosa que, sem afectações, nos faz sentir de bem com a vida.

Finjo que consulto a carta, como quem se quer enganar a si própria, mas acabo por confirmar ao que ía: A-LHEI-RA, de Mirandela, como se pode ler no Menu! Nem mais! Corrijo: antes, umas gambas à Malaguenha, para partilhar e picar. Saborosas, com a alma feita de pimentos em pedacinhos e malaguetas q.b.

Na mesa, a rirem-se para mim, umas finas torradas em pão de centeio com manteiga. Uma pede outra e eu não resisto. E a dose é prontamente reforçada sem que ninguém o peça.

Finalmente, a alheira. E porque nenhum prato vem feito da cozinha, valorizando-se aqui o clássico serviço de sala, o empratamento é feito à vista do cliente, que tem assim sempre hipótese de recusar ou pedir mais disto ou daquilo. No meu caso, mais grelos que batatas: palitões grossos, sujeitos a uma prévia cozedura, antes de serem fritos. Peço apenas um. E é isso que me colocam no prato. Uma batata e não duas, nem três. Uma só, que foi o que pedi, ainda que fique a invejar o prato da frente, bem mais balanceado entre os grelos e a batata frita (atuxadinho!!!)...

A alheira, tamanho  XXL.  Sequinha, com fritura a preceito. No recheio, quantidade generosa de carne, apenas com as migas de pão necessárias. Bem diferente daquelas pastas que vemos por aí no mercado. Perfeita, com a tradicional companhia do ovo estrelado. Consolei-me!

Falar do Gambrinus foi sempre falar de um luxo inacessível, mas o certo é que os preços praticados estão ao nível dos restaurantes caros de Lisboa, ainda que eu não tenha tido acesso à coluna dos cifrões,  já que aqui continua a praticar-se a velha regra de apresentar o menu às senhoras sem essa incómoda coluna da direita.

No remate, apenas o café, mas graças à mesa do lado que não dispensou o ex-libris da casa, fiquei fascinada a assistir a uma aula ao vivo de crepes suzette. Já praticamente desaparecida dos restaurantes,  a arte de flamejar  ainda se pratica com mestria neste espaço de tradição e boa comida.

Tão boa que até se perdoa a vizinhança de uns patos bravos que acompanham toda a refeição com sucessivas garrafas de Moet&Chandon;  no demais, empresários, gestores, políticos e advogados, continuam a ser assíduos, para apreciar a cozinha tradicional, que vive dos bons produtos e o serviço elegante e discreto, muito atento a todos os detalhes. A decoração é a que sempre conheci, com as paredes forradas a madeira. Mas, como respondeu Paul Bocuse, um dos Papas da cozinha francesa que resistia a mudanças, a alguém que o tentava convencer a modernizar a decoração: “ninguém vai ao meu restaurante para comer cortinas”!


Restaurante Gambrinus
R. das Portas de Santo Antão 23
1150 Lisboa, Portugal
213 421 466

http://www.gambrinuslisboa.com/