“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


quarta-feira, 11 de maio de 2011

Darwin’s café – Cozinha cosmopolita em ambiente com estilo


Sem paciência nem simpatia para espaços pseudo-modernos e pseudo-sofisticados, onde vai toda a gente, para ver toda a gente, que só é conhecida na sua própria rua, fico sempre desconfiada com esses restaurantes onde conta mais a decoração e o ambiente do que a comida, geralmente, de duvidosa qualidade.
Mas desta vez arrisquei. Tinha estado no Darwin´s café por razões profissionais, de microfone na mão, para a cobertura de um almoço de campanha eleitoral, e, nesse primeiro contacto, fiquei rendida aos imensos janelões que se abrem sobre o rio com uma luminosidade de cortar a respiração. Deslumbrante. Decoração moderna, com citações do pai da evolução das espécies e detalhes clássicos, inspirados nas bibliotecas, além de abat-jours de tecto gigantes, também eles com a estampa de animais, numa tela que nos remete para a teoria da evolução de Darwin.

A vontade de ficar ali para almoçar a ser contrariada pelo trabalho, que este era dia de sanduíche devorada fora-de-horas. Ficou a reserva para o jantar.
Já tinha provado e aprovado vários almoços no La Caffé, na Avenida da Liberdade, de onde veio António Runa para esta cozinha à beira rio.
Um e outro são projectos Lanidor. Na Avenida, por cima da loja de roupa. Aqui, em parceria e instalações da Fundação Champalimaud. A Lanidor a trazer para Portugal o conceito que afamadas marcas de roupa usam lá fora, o de se aventurarem também pelo mundo da gastronomia, numa fusão de luxo, design e glamour.
Listas diferenciadas para almoço e jantar, mais uma de snacks, para os horários fora de refeições. Vastas opções a preços sensatos, com propostas sóbrias e ligeiras. Não será para gastrónomos, mas não envergonha quem cozinha, nem se arrepende quem experimenta.
Com três pessoas à volta da mesa, pediram-se, de entrada, o carpaccio de novilho com rúcula e parmesão, o carpaccio de salmão com vinagreta de limão, aipo e queijo da ilha, e a salada de frango com tostas de queijo cabra gratinado. E se a salada pode, por si só, servir de prato principal, já os carpaccios se apresentaram muito...magrinhos! O de novilho, a 12,50 euros, trazia apenas umas 4 hóstias de carne, com a rúcula a fazer volume e sem pouparem nas lascas de queijo. Desequilibradas proporções, que não se pediu um carpaccio de parmesão! Consta também da carta de almoço, pelo que fico a saber que, em próxima incursão diurna, não o poderei pedir como prato único; e eu até nem sou de muito alimento. O de salmão, a 11 euros, a pecar também pela diminuta quantidade.
Para pratos principais, foi pedido Bife do lombo em massa folhada com cogumelos frescos e batata frita, Tranche de garoupa gratinada com queijo da serra sobre puré de batata e tomate cherry e, para mim, um Lombo de salmão que, de acordo com o descritivo da carta, se apresenta com açorda do mesmo. Salto a açorda e peço acompanhamento de legumes. No final da refeição, sou interpelada para saber se o “mix” de legumes foi do meu agrado. Este mix, sim, foi aprovado que o Mix do Catroga são contas de outro rosário e não é para aqui chamado. Menos bem o salmão, demasiado cozinhado para meu gosto.
Os relatos do resto da mesa são de aprovação.
Quem não dispensou a sobremesa, optou por um crepe recheado com maçã, framboesas, nozes, molho de chocolate branco, mascarpone e crumble. Meti lá a colher. Não deslumbrou.
Serviço simpático, a precisar de dar maior atenção às bebidas que copo de água ou de vinho não são para ficar vazios.
Só tenho pena que a demasiada luz da sala faça espelho nas vidraças e esconda a imagem nocturna do rio. E fica a promessa de que o mobiliário da esplanada chega até ao final de Maio, a tempo do verão…
Este Darwin’s Café tem todos os ingredientes para ser um caso de sucesso. Um espaço com identidade própria, sem defraudar o cliente.


Darwin's Café
Centro Champalimaud
Av. Brasília, Ala B
1400-038 Lisboa

terça-feira, 3 de maio de 2011

Tia Alice – Um templo de boa comida



O que dizer de um restaurante que não precisa de apresentações? Para muitos, é apelidado de “catedral da boa gastronomia”. Até se entende tal rótulo. Mas, para mim, catedral é sinónimo de espaço grande, quase intimidante, coisa que este restaurante não é. E associo o termo gastronomia, a um conceito mais amplo do saber e das técnicas culinárias.
Ora, prefiro uma imagem mais singela: duas salas de puro bom gosto e boa comida. Simples. “Tudo muito simples, mas tudo muito bom” descrevia, em tempos, nas páginas do público, David Lopes Ramos, colega que não conheci pessoalmente, mas que admirava e lia religiosamente. Com os pergaminhos devidos escreveu sobre este restaurante em Fátima. Fora a actualização de preços - que a vitela já está quase a 18 euros e o Meandro, agora o de 2009, já se bebe a 20 euros – a avaliação mantem-se actual.
Confesso o pecado: andava de desejos, pela vitela e…pelo pão! 100 Quilómetros em noite de chuva não me assustaram. Satisfiz a gula e comprovei a memória das palavras que, em jeito de homenagem, simples, aqui transcrevo:
“O pretexto para este regresso ao restaurante Tia Alice, de Fátima, foi a notícia de que a casa tinha estado encerrada para obras de remodelação. Quando tal sucede, há sempre algum receio de que se belisque o essencial, sobretudo quando se trata de um restaurante que apreciamos, como é o caso.
Descansem os que se gostam de sentar às mesas deste Tia Alice pois tratou-se mesmo de obras de beneficiação e não houve alterações na ementa, nem na qualidade dos cozinhados, nem na simpatia do serviço, que se mantém discreto e bem ritmado, nem no minimalismo da decoração, ainda mais sofisticada do que já era. Os tons de branco e creme dominam e, neste ambiente, ainda sobressai mais, na sala interior, a fotografia de Jorge Molder numa das paredes, único elemento dissonante em tanta serenidade, mas que é um pormenor de modernidade e de bom gosto num conjunto em que se detecta, em panos bordados a ponta-de-cruz o que era uso chamar-se o "toque feminino".
Quanto à cozinha é a de sempre. São os cozinhados de uma mãe de família, Alice Marto, cuidadosa na selecção dos produtos, senhora de um paladar apurado e que, um dia, se decidiu a abrir a sua porta a estranhos, aos quais trata como se fossem da casa. Percebe-se que há ali um ou mais fornos de lenha onde se coze um excelente pão de trigo e um ou outro prato de festa: a vitela assada (16,50 euros); a chanfana (16,50 euros), cozinhado inspirado pela necessidade de se aproveitar a carne de cabra velha, quando o bicho fica imprestável, porque, com o avanço da idade, o úbere e a madre secam e deixam de dar leite e cabritinhos.
O bacalhau com camarão (17 euros), um gratinado delicado, certamente é também no forno que apura. A açorda de bacalhau (16 euros), diferente da alentejana, que é uma sopa, é uma miga apaladada, que, ao contrário do que muitas vezes sucede, é confeccionada com a parte mais nobre do gadídeo, o lombo, que surge às lascas gelatinosas bem casado com o pão trigueiro. Tudo muito simples, mas tudo muito bom.
E, neste plano de qualidade, tem ainda que se mencionar a morcela de arroz (cinco euros) e a sopa de legumes (4,30 euros), daquelas que nos reconciliam com o lado vegetariano da culinária, mas aqui sem fanatismos ou filosofias de salvação. Um cozinhado não deve pretender mais do que reconfortar-nos o corpo. Para a alma, ou lá o que é, devemos procurar remédio noutro lado. Embora esteja cada vez mais convicto de que é nos corpos bem alimentados que se escondem as melhores almas.
Mais do que o nomeado há, no domínio dos pratos que sempre se encontram na ementa, que é pequena, o bife de lombo e um piramidal arroz à transmontana, inspirado na conhecida feijoada dos que vivem para lá do Marão. Ou seja, o arroz da Tia Alice tem os enchidos, as carnes e os legumes que encontramos na feijoada transmontana, mas o feijão foi substituído pelo arroz e o conjunto é catita. Por vezes também se encontra um arroz de robalo e tamboril, por exemplo, ou uns linguadinhos fritos ou um arroz de pato e, até, cabritinho assado no forno. Indispensável nos acompanhamentos é o pedido de uma travessa de nabiças (seis euros), verdinhas, macias, servidas "al dente", uma delícia, que tanto podem acompanhar um dos assados de forno, como ser comidas temperadas com um fio de azeite fino e oloroso.
Como sobremesa, desta vez, ficámo-nos pelo pudim de ovos (3,80 euros), sempre excelente, e pela única novidade que encontramos na ementa do Tia Alice após as obras de remodelação: um original, delicado e delicioso pudim de coco (três euros). Há ainda, entre outros, o gelado Tia Alice ou o bolo de chocolate com gelado de natas.
A carta de vinhos e o respectivo serviço tornaram-se, com o passar do tempo, uma das mais-valias do Tia Alice. As e os adolescentes fizeram-se mulheres e homens, estudaram, provaram, tornaram-se profissionais competentes e organizaram uma carta de vinhos que diz bem com o restaurante. Desta vez bebeu-se o Alvarinho Deu-la-Deu de 2006 (17,50 euros), da Adega Cooperativa de Monção, um valor cada vez mais seguro; e um dos tintos do Douro com melhor relação qualidade/preço no mercado: o Meandro de 2004 (19 euros), que tem fruta fresca, equilíbrio e elegância dignos de menção. É o segundo vinho de Vale Meão, da dupla Vito e Xito Ollazabal. Tomaram muitos primeiros vinhos ter esta qualidade.
Tudo visto, o Tia Alice continua muito bem. Quem gostar de comer e beber bem, em ambiente luminoso e sereno, reserve mesa e não ficará desiludido. Os adeptos das girândolas culinárias, de brilho intenso mas fugaz, façam favor de se abster: o Tia Alice não é para eles. É que, também nesta coisa dos restaurantes, cada um é para o que nasce.
David Lopes Ramos (PÚBLICO)