“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


domingo, 26 de junho de 2011

Pedro Lemos – Uma cozinha com estilo



Nem tento explicar como se chega lá. Na era do GPS, o melhor mesmo é fazer uso das coordenadas informáticas.
Fica na Foz Velha, numa ruela apertada a que a toponímia portuense dá o estatuto de rua. Casa recuperada com gosto, em fachada de pedra, e onde pontuam detalhes de modernidade. Dois pisos e um terraço.
Transposta a porta, a recepção e sala de baixo - foi onde fiquei – mantêm o ambiente requintado. Papel de parede a dar um “ar acolchoado”, intimista, romântico e onde se distingue um lindíssimo aparador art déco. Gosto. Sinto-me bem.

Sobrevivente de mais um “roteiro da carne assada”, rendo-me à opção defendida pela minha companhia. Seja! Tenho direito ao mimo, pois claro! Menu de degustação em 7 momentos.
Com os meus botões, começo logo a pensar no plano para a batota do costume: provar tudo, mas sem consequências para os furos do cinto! Entre a prudência e a gula, invoco, em defesa dos sete pratos, a possibilidade de percorrer parte da carta e, de uma vez só, ter uma aproximação à arte de Pedro Lemos. Assisti a um “show cooking” deste chefe portuense na última edição do Peixe em Lisboa e, desde então, fiquei com imensa vontade de “meter a colher” nesta cozinha.
O couvert é simples. Pão e azeite! E que azeite!!! Daqueles sabores que ficam na memória e obrigam a um gigante ponto de exclamação. Acushla, leio no rótulo da garrafinha que foi deixada em cima da mesa. Um azeite de Vila Flor.
Grande sacrifício para não me empanturrar de pão e azeite, mas penso nos sete pratos que tenho pela frente…



Começa o banquete. Cortesia do chefe: folhado com queijo creme e gelatina de menta. Fresco. Com um folhado impecável. Prepara bem o palato para o lavagante azul, vieiras com caviar da aquitaine, abacate e ouriço do mar. Apresentação irrepreensível, mas não é o lavagante o rei neste prato. Deixo os elogios para o carpaccio de  vieiras. Umas gotas de azeite emprestam-lhe a untuosidade perfeita. É a prova dos nove de como a simplicidade é o maior requinte. Um Murganheira Pinot Blanc fez boa companhia e segue para a prova seguinte.

Salmonete, ostras do sado, gelatina marine e creme de funcho. Claro que a ostra não ficou a fazer sala no meu prato, não senhora! Ganhou asas para a boca da frente. Fico com o gostinho anisado do funcho a acentuar o sabor e frescura do peixe, com a salicórnia aqui a garantir um tom mais exótico. E que pena tenho de não encontrar este vegetal nas prateleiras dos supermercados. Já passámos a fase dos Kiwis e depois da rúcula - um e outro a virarem quase pragas. Pode ser que os portugueses descubram agora esta planta que parece um espargo verde bebé, embora de sabor salgado. Combina lindamente com peixes. 

Ainda nas entradas, apresenta-se um dos pratos que mais me impressionou pelo detalhe e equilíbrio: Foie gras de pato mudo, pão de especiarias, macaron de caramelo salgado e geleia de colheita tardia. Humm, delicioso. O foie gras fresco, braseado com maçarico, em cima de uma finíssima lâmina de pão de especiarias, numa harmonização inesquecível, a conjugar muito bem com a terrina, no outro lado do prato. O doce e salgado do macaron mostrou-se um complemento perfeito. Emocionante!
No copo, um colheita tardia da Herdade do Esporão, não prestou a melhor homenagem ao conjunto. Para meu gosto, teria merecido um Grandjó ou um Aneto.

Viajo, a seguir, para o Algarve com Pargo capatão, amêijoas, lingueirão e xerém com caldo de peixe. Conjunto delicioso, delicado, onde o diamante se revela na farinha de milho grosso do xerém. Detalhe importante, já que faz toda a diferença comer papas de milho e não “papinhas de bebé”, e o segredo está, precisamente, na moagem da farinha. Um Redoma branco fez harmonia certa.

Já o Leitão com chip’s foi o prato que me desapontou. Chip´s de compra, pelo menos é o que parece, merece censura num restaurante de autor. O bácoro também me deixou com um travo de desilusão. Pele pouco crocante, que eu gosto dela bem estaladiça e dourada…Sem o rec-rec, afago as mágoas num tinto do Dão. O Quinta da Garrida deu conta do recado.

Já com o estômago a protestar por falta de espaço…seguem-se as sobremesas… e…antes das “oficiais”…há a pré-sobremesa ou…mais uma cortesia do chefe!!!...
Entendo o amouse bouche, como a montra de um cozinheiro. É aí, nesse pequeno entretém, que ele me diz como é ou…como está…divertido, humilde, ousado, irreverente, conservador, aborrecido. Bom! Mas essa montra fica lá, no início do jantar! No fim, e depois de um menu de degustação, mandaria o bom senso que se poupasse nas calorias! Duas sobremesas, antecedidas de uma pré-sobremesa…faz três!!! Perdida por cem…perdida por mil…e perdi-me também nas notas…já não sei o que era esta entrada para os doces…

Segue-se a pera rocha assada em cardamomo. Delicada. Biscoito de amêndoa e flã de anis.

Mais as texturas de chocolate de São Tomé e Príncipe…

Na apresentação das sobremesas e na conversa que mantive no final da refeição com Pedro Lemos, nada me é dito sobre a responsabilidade pelos doces. Leio no site do restaurante que as guloseimas têm a mão de Miguel Carreiro, que fez escola com o catalão Santi Santamaria e chegou a sub-chefe do Can Fabes! Não é para qualquer, não senhora.
Pedro Lemos é um discípulo de Aimé Barroyer , mas noto-lhe influências de Berasategui.
Cozinha moderna, criativa, onde se respeitam os produtos e onde cada sabor conta. Saiba a cidade do Porto acarinhar este restaurante.

Restaurante Pedro Lemos
Rua Padre Luís Cabral 974
Porto
Tel. 220115986

http://www.pedrolemos.net/index.php

quarta-feira, 15 de junho de 2011

São Gião – Um equívoco



Por uma razão ou por outra, nunca consegui ir a Moreira de Cónegos. Sugeri a colegas, invejei relatos, mas... ano, após ano, vou-me poupar a pormenores, nunca consegui a ocasião para jantar nesta meca da gastronomia minhota!
Ora, o São Gião surgia-me como um daqueles lugares em que valia a pena palmilhar quilómetros para desafiar as papilas gustativas.
Um destes dias consegui!!! Finalmente!!! Reserva feita em dia marcado, rumo a Moreira de Cónegos.
Busco pelo restaurante, todos parecem saber onde é, embora nem sempre saibam assinalar o caminho! Certo. É um problema de português. Esquerda, direita, alguém me manda “cavalgar” uma estrada! Aceito, que os cavalos do meu carrito estão lá para isso.
Resumindo no GPS, o dito “fica à beira” do estádio do Moreirense. Ainda assim, sem nenhuma referência...uma casa amarela, incaracterística, diria, até, feia. Vencida a porta, uma ampla sala com vista para um vinhedo e o primeiro suspiro de alívio. Ora, bem! Olho para cada uma das mesas com o olhar de lince e a primeira impressão convence!
Consultada a carta, procuro escolhas que obriguem à intervenção da cozinha. Em vez de ser tentada pelo prato de presunto ou da alheira grelhada, opto por partilhar uns ovos mexidos com gambas, míscaros e espargos. Uma miscelânea – penso com os meus botões – que me deixa bem mais assustada quando fica ao alcance dos meus olhos. Um enorme prato que daria para dividir por quatro ou cinco ou, até, seis bons comensais.
Fico rendida à prova. Os ovos no ponto e, ainda que se dispensassem as gambas, o conjunto revela-se equilibrado. Registo e aplaudo a soma de uns croutons que não constam da descrição, mas introduzem um toque crocante bem acolhido.
E o jantar devia ter ficado por aqui! Pela qualidade e quantidade!
Com mais olhos do que barriga, de entrada constaram ainda uns cogumelos recheados. Feita a prova, não mereceram a transgressão. Cogumelos panados e fritos. Fritura exemplar, sem dúvida, mas o sabor não surpreendeu. Passo.
Numa das mesas ao lado, um jovem padre convence os pais a escolherem o foie gras com molho de frutos silvestres e, a avaliar pela gula, a terrine devia ser de bom fornecedor, sim senhor! Do outro lado, umas mangas arregaçadas e cotovelos em cima da mesa, com o corpo balanceado para a frente, dá conta de um pratinho de presunto. Sem protestos.
Por mim, debatia-me com a temperatura do vinho. Devia ter servido de aviso, que restaurante que não saiba servir o vinho à temperatura adequada não pode ter culinária coerente.
Para prato principal, escolho uma empada “de várias carnes” que se faz acompanhar, habitualmente, por batatas gratinadas, opção que, imagino eu, mereceria a censura de um qualquer nutricionista. Por isso, peço grelos salteados. Má alternativa, que em vez de “grelos com sabor do norte” se apresentaram uns verdes congelados, iguais aos que tenho na minha terceira gaveta, em Lisboa, reservados para as emergências-dos-dias-sem-tempo! Mamma mia! Ainda por cima de tempero insípido!!! A fatia de empada, passável. Soube sobreviver ao microondas. Já comi melhor e já comi pior.
À minha frente, para umas bochechas de vitela, gravo um olhar infeliz.
A desolação estampada é proporcional ao tamanho das ditas. Meto o garfo para o tira-teimas e faço a careta devida. Os entremeios de gordura e nervo, mais gordura gelatinada, revelam como não se trata carne de qualidade, seja em assadura a baixa temperatura (lá para 8 horas de forno, a 100º), seja confitada, com o vinho tinto e os legumes a dar ao estufado macieza e ao molho sustância. Uma arte que desta vez não foi seguida e que Pedro Nunes saberá de cor e salteado. Fico com pena.
Enjoada, só lamento que as romarias se façam pela quantidade e não pela qualidade. Neste restaurante de fama, verifico que quantidade não é problema, só não encontrei lá o proveito. Bons produtos ajudam, mas, sem arte e engenho, por si só, não fazem a boa cozinha.
Experiência infeliz, já nem me tento pela sobremesa. Um café, se faz favor, e…dois Maalox’s…