“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


sábado, 3 de setembro de 2011

Vincent – Cinco estrelas!



É raro, muito raro: chegar a um restaurante e cheirar-me a…comida! Não falo daqueles cheiros a fritos ou coisas que tais que não queremos que se emprenhem na roupa! Claro que não! Grrrr!
Refiro-me àqueles cheiros caseiros, de boa comida, que entram pelo nariz dentro, mas não se entranham! Os cheiros que encontrávamos quando chegávamos a casa dos avós e assistíamos às mulheres da família, atarefadas, junto do fogão! Inebriante…siga-se o cheiro!!!...
Atravesso o jardim para chegar ao varandim! Certo. Rimou, eu sei. Mas, é assim mesmo! Só que, em vez do cheiro da relva, entram-me pelas narinas os aromas da cozinha. Aromas vários, caseiros, que se misturam. De assado, de sopa, de pão. E tenho vontade de fazer crescer o nariz, qual desenho animado e deixar-me enlevar…zzzzzzz, lá vou eu!!!
Restaurante de beira de estrada, em Almancil, onde começou o Tradicional e, depois, o famoso Ermitage. Mesa familiar para mim, cliente habitual nas noites de verão, reconhecida por uma equipa de sala que se mantém, constante, afinada. Sinto-me em casa.
Carta renovada; e ditadas as opções do dia, mantenho o olhar num clássico, a terrina de fígado de ganso com molho de amoras: “há pratos que não podemos tirar da carta, senão os clientes zangam-se” – diz-me a Ana, a justificar algumas opções que não saem do menu. Concordo.
O amuse bouche permite-me confirmar que a cozinha do Vincent continua a funcionar como um relógio suíço: não falha.
Vincent Nas apresenta-nos uma trilogia para abrir o apetite. Vichyssoise com crocante de presunto. É a mais clássica sopa da gastronomia francesa, embora tenha sido criada… nos Estados Unidos.
Diz a história que, numa noite muito quente de verão, pouco antes da Primeira Guerra Mundial, Louis Diat, cozinheiro chef do Ritz-Carlton de New York, se lembrou de uma sopa fria que sua mãe costumava fazer. Um creme de batata que Diat baptizou com o nome da cidade onde nasceu - Vichy. Sucesso garantido nas noites de verão. Uma sopa associada sempre à ideia de refeição sofisticada, embora tenha como base, simplesmente, batatas, alho francês, caldo de galinha e natas.
Sabe sempre bem e fez boa ligação com o sashimi de salmão e uma almôndega de vitela.

Na entrada, mantenho-me nos clássicos. A terrina de foie gras que se apresenta com umas torradinhas de pão brioche. Deliciosa. Cremosa, embora de textura firme. Delicada. A inovação é introduzida no acompanhamento. Desta vez, para além dos verdes que dão cor ao prato, Vincent escolheu uma lâmina de cabeça de aipo, em cone, com recheio de ripas de beterraba. Excelente ligação de sabores.

Para o prato do lado veio um carpaccio de salmão, de textura e tempero irrepreensível.

Apreciadas as entradas, como prato principal, sigo uma das novidades da carta, o hamburger de atum, que peço para acompanhar com uma salada. Bendita a hora. Nunca tinha comido uma alface assim, ou, pelo menos, já não me lembrava de como uma alface pode saber a alface. Fica justificado porque é que uma simples salada de alface tem direito a surgir também na carta com honras de entrada.
É uma salada que vale por si, mas que nesta noite fez muito boa companhia ao atum picadinho e em formato de hamburger. Mas não se pense que por ser hambúrguer a matéria-prima é de menor qualidade. Não senhora! Até porque Vincent apenas o braseou de ambos os lados, deixando realçar, no interior, toda a frescura e sabor do peixe. Consolada! Só se dispensavam uns camarões intrusos. Estavam bons, é certo, mas não eram necessários para garantir a riqueza do prato.

Feliz com a minha opção nem sequer invejei o tornedó que me fez companhia no prato do lado, apesar dos relatos elogiosos.
A carta de vinhos é exemplar. Os doces, sempre uma tentação a que, desta vez, resisti.
Restaurante requintado que consegue recriar um ambiente familiar e, ao mesmo tempo, cosmopolita, com uma qualidade sempre constante, continua a ser o grande mistério do Algarve: o que levará o Guia Michelin a mantê-lo fora das estrelas?
Afável, no alto de um farfalhudo bigode já quase todo branco, Vincent encolhe os ombros à despedida, apenas atento ao ar de satisfação dos clientes.
Vincent
289399093
Estrada da Fonte Santa
Escanxinas
8135-016 ALMANCIL