Por estes dias, assim que “aterrei” no Algarve, fui a correr
para o Evaristo. Arrastei comigo uma
amiga, nada dada a ambientes populares ou ruidosos, mas as saudades do peixe do
Atlântico falaram mais alto.
Azar o nosso, a noite foi particularmente barulhenta. Sorte a
nossa, porém, é que, à boa maneira lusitana, as turmas de casais mais os filhos,
e os filhos dos amigos, gostam muito de comer depois das 10 da noite, quando já
estava eu quase a terminar de apreciar uns carabineiros bem tratados, umas
lulas soberbas, imperdíveis, tal a frescura e tempero com que se apresentaram,
e um cantaril que, entre o mar e o prato, passou de forma sublime pela grelha.
Serviço gentil, correcto e discreto, supereficiente, como se
exige e se espera. Tudo bom, menos o ambiente “tascoso”, imposto pela afluência
simultânea de grupos e que me fez fugir dali assim que terminou o jantar. Bem
diferente de uma outra noite, também recente, em Viareggio, Itália.
Restaurante junto ao porto, paredes meias com os estaleiros
de onde saem os iates de renome que se balanceiam por esses mares fora.
“Trattoria Da Cícero”, assim se chama o restaurante onde o
peixe também é absoluto protagonista. O peixe e o dono: homem de fartos bigotes
e barriga bem ao estilo do Obelix. Duas salas em azul clarinho, com a cozinha à
vista e o peixe em bancada.
Avaliava-se a escolha de uns lagostins, para entreter o estomago,
enquanto se pedia um fresquíssimo besugo, que se apresentou em forma de
caldereta. Avaliação reservada aos homens do grupo que, gentis e a pensarem na
silhueta das senhoras, se preparavam para pedir apenas dois lagostins por
prato.
“Due? Due son gli corni!” – replicou em voz grossa o Obelix,
a fazer contas à caixa registadora. É certo que acompanhou a expressão com o
gesto, de indicador e mindinho alçados, mas foi de uma elegância e simpatia desarmantes.
Seja!
E chegaram à mesa, não dois, mas três lagostins por dose,
frescura realçada pela simplicidade da cozedura ao vapor. Sem mais. Os homens
foram perdoados e o Obelix também.
Enquanto esperava pelos bichos, não resisti à cesta do pão. Provei
e aprovei a focaccia; ainda assim, para tristeza de uma das minhas queridas
amigas, foi à chapata que me rendi e onde me perdi. Crocante e a pedir
lambuzuras com a manteiga. Due son gli corni? Quais dois! Três, quatro…perdi a
conta aos pedaços de pão!
Serviço simpático e atento, renovou a cesta do pão. Ambiente
fresco. O requinte informal sem paralelo nas marisqueiras de Lisboa. O Trio de
lagostins denunciou a qualidade da cozinha, confirmada a seguir pelos lombos de
besugo servidos “em cama” de batatas, a chorarem para serem devoradas!
Não pensava então trazer o registo ao blog, por isso não
ficaram as provas gravadas em imagens. Scusami!
Por razões diferentes, mas também justificadas, não sobraram
fotos de uma outra soberba refeição. Desta vez, ao almoço, em Capraia. Uma
antiga ilha prisão. “La Garitta”,
restaurante junto ao Castelo, a obrigar a uma íngreme caminhada de vários
quilómetros, mas que vale todos os passos.
Provei a carbonara di mare, com uma brunesa de lulas e polvo
ligeiramente refogados e uma pitada de natas só para conferir untuosidade (aprendam
oh, pseudo restaurantes italianos que se ostentam em Lisboa, e que apresentam
as massas a nadar em natas!!!). Sabores suaves; e, sem esforço, rendo-me aos
multiplicados elogios que foram surgindo dos vários lados da mesa. Não ficou
massinha para fazer apodrecer a história.
E se os elogios pareciam esgotados na carbonara, não faltaram
os aaahs e oooohs, nham-nham nas lulas que se apresentaram a seguir. E
lulas!!!...
Que lulas!!! Ainda assim, reconheço, nas memórias deste verão, ficam a ganhar as do Evaristo! Memórias de sonho e encanto que não cabem partilhar aqui.
Volto a Capraia e ao La Garitta. Serviço simples e um
restaurante aberto expressamente para o grupo de portugueses onde me incluía, o
dono acordou no mar para pescar a corvina que horas depois cozinhou divinamente
em frigideira, num molho temperado de manteiga e azeite, aromatizado com alho e
salsa. O peixe bem tratado, sem trair a frescura. O molho, de uma
inultrapassável leveza, a realçar a textura do peixe.
Mais uma prova de que a elegância se faz da simplicidade dos
sabores e…dos gestos! O serviço a combinar com a cozinha, num restaurante de ambiente familiar
de uma ilha recôndita do Mediterrâneo.
Não é preciso mais. Especialmente quando o mais se resume a
um pretensiosismo decadente, rendido aos rublos dos russos, novos ricos que
empestam os lugares míticos do glamour que fez a história da Europa.
“Não têm maneiras, mas são os únicos que compram” – reconhecem,
entredentes, italianos e franceses, também eles agarrados pela crise que ameaça
o euro. Pois!
E a frequência de hoje do Splendido, o hotel que faz o
bilhete postal de Porto Fino e que guarda memórias de deslumbramento, não será
assim tão exigente como a do passado. La Terrazza, o restaurante anfiteatro do
hotel, guarda as vistas de sempre, mas perde na cozinha e no serviço para
outros restaurantes bem mais modestos.
Lá fui, também, dizer presente e apreciar o Mediterrâneo numa
noite quente. O mesmo grupo de seis pessoas à mesa. Todos incomodados pelo
pianista “ali tão em cima”. Música que abafa conversa não serve de companhia,
que a mesa latina reclama convívio!!!
Amuse bouche resumido a um puré de batata, que chegou frio, a
servir de cama a “caviar”, falso, de nero. Industrial. Provei e rejeitei, pois
claro, que é preciso guardar as calorias para melhores sabores.
A minestroni, em receita genovesa – tipo colher em pé –, terá
convencido quem pediu.
O meu carpaccio também passou no exame, ainda que tenha colocado reticências às placas de queijo, preferindo a clássica versão em lascas finas. Já agora, também teria preferido a carne mais fina… Grazie mille!
Teria sido pedir de mais, numa cozinha atabalhoada com um
serviço que se revelou a condizer. Grelhada mista para quatro, que dois dos
comensais, em boa hora, se refugiaram num pregado, creio. O pregado terá
cumprido a função, ainda que à vista desarmada se tenha apresentado com
azeitonas a mais.
O pior mesmo ocorreu com a grelhada. Dois de nós servidos com
peixe espada, atum, lula e gamba; os outros dois ficaram de prato vazio. O
desconforto da espera. O peixe a arrefecer e a surpresa tardia de a dose
seguinte não corresponder ao mesmo numerário.
Não foi necessária chamada de atenção. Para compensar, vieram
de acrescento mais três camarões grelhados por dose. Fraco consolo! Bichos
magros e palhentos, desenxabidos, tal como os restantes peixes, que secaram na
grelha! Madonna! Como è possibile?
Desconcertante foi também o serviço de um outro restaurante,
este já em terras gaulesas. A Hostellerie Jérôme, um pequeno hotel de charme,
situado num antigo mosteiro, em La Turbie, uma pequena aldeia medieval, ao cimo
do Mónaco. Duas estrelas Michelin que se perderam entre a cozinha e a sala.
Aqui, éramos quatro à mesa. Mal nos sentámos e nem nos deram tempo para consultarmos a carta, ou sequer pedir o vinho. O amuse bouche foi despejado na mesa sem grandes explicações: sticks folhados com mousse de beringela e mousse de salsa; gaspacho de tomate com sorbet de aipo. Num acerto de contas com o desgarrado serviço, os sabores, bons, mas também eles desgarrados.
Camarões em maracujá, com folhas de coração de alface e
amêndoa crua. Boa harmonia e suavidade.
Medalhões de lagosta azul com creme de limão, lâminas de
pêssego, flor de beringela e louro frito. Bom. Excelente.
Salmonete com alho assado e alcachofras salteadas. Muito bom.
Pombo assado com cepes e cantarelos, fígados, azeitonas e foie
gras fresco. De ir aos céus e evitar ir para cima da balança. Harmonia de
sabores quente, numa noite a reclamar frescura, mas numa conjugação perfeita.
Morangos do bosque com chantilly. Reposta a frescura que se pedia.
Sorbet de ruibarbo com zestos de laranja. Adoro ruibarbo, que para mim é sinónimo de legume de sobremesa, claro! Cá em casa, há o hábito do soufflé de ruibarbo. Continuo a achar que é a melhor forma de apresentar este caule. Ainda assim, o sorbet funcionou bem como digestivo. Tê-lo-ia preferido como separador ou pré-sobremesa. Mas…chef manda! Ou terá sido o serviço?
Finalmente, mignardises que valem por sobremesa!
As queixas ficam em crédito, que sobra a vontade de voltar.
Sobretudo pela companhia e pelos amigos, que a mesa lusa faz-se de sabores mas,
sobretudo, de…”combibio”!
Já no regresso a Portugal, em dia de passagem por Lisboa,
paragem num japonês, onde já não ia há muito tempo. E “quem não aparece,
esquece”. O ditado popular faz-se valer, neste Sushi Café, das Amoreiras. É que
aqui, faz a diferença “ser da casa” e não um penetra.
Mas, num domingo à noite, em pleno Agosto, não sobra
grande escolha para quem reclama por peixinho cru! Em boa hora. Serviço competente a revelar-se muito preocupado com
qualquer falha…que não teve!
- “Desculpem-me, mas ainda estou em estágio!”, justificava-se
o diligente empregado, que na conversa revela ser um recém licenciado
em…Arquitectura, ansiando por uma colocação…no estrangeiro!. Gestos educados e
delicados.
- “Sr Arquitecto - digo-lho eu - passou no estágio, e deu
cartas a muitos profissionais do sector!!!”.