“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


terça-feira, 5 de abril de 2011

Manifesto – Luis Baena, um princípe na cozinha


“Prefiro acender uma vela do que queixar-me da escuridão” – é a primeira frase estampada no vidro que separa a cozinha do restaurante. É Luis Baena, quem me chama a atenção para a frase de Confúcio.
Serve de mote para a conversa da noite,  que divaga entre a crise e a eminência (!) da bancarrota e o que o país pode fazer por si próprio.
Um século para pagar a bancarrota.
Em 1892, com uma dívida pública pelos 90% e juros da dívida a açambarcar quase metade das receitas do Estado,  Portugal declarou falência.
Quanto custou a Portugal a bancarrota de 1892? Não sei. Nem sei se alguém sabe. Diz a História que, à bancarrota de 1892, seguiram-se dez anos de negociações com os credores! – dez anos? Insuportável, nos dias de hoje – exclamava uma voz,  à mesa do jantar. Certo. Adiante.
Renegociada em 1902, Portugal pagou a última tranche dessa divida em 2001!!! 99 anos!!!
Um século???!!!  Os meus avós maternos ainda nem sequer tinham  nascido em 1892.  Morreram antes de 2001 e não sei se algum deles teve consciência que nasceu, viveu e morreu a pagar uma dívida!!
Durante décadas e décadas, o Estado português ficou incapacitado de recorrer a financiamentos externos. O primeiro empréstimo do Estado português, desde essa declarada bancarrota de 1892, foi já no século XX! Nos anos 60, para construir a ponte sobre o Tejo.
À época, andámos de mão estendida, a pedir a ajuda do financeiro Henrique Burnay, tal como hoje junto da China, Angola ou,  numa imagem mais caricata, junto de Lula/Dilma do Brasil. À época, faziam-se debates inflamados em torno da construção ferroviária em Portugal e da ligação por comboio de Portugal à Europa.
À época, a construção dos caminhos de ferro esteve sempre envolvida em polémicas arrastadas por grandes trapalhadas e duvidosos interesses económicos. E entre os interesses e os velhos do Restelo, a conjugação perfeita para não se fazer o que se devia e como devia.
Era o Portugal de Eça de Queiróz, com os debates políticos em tudo idênticos aos de hoje.
O orgulho nacional atirou a bancarrota de 1892 para uma nota de rodapé na História de Portugal! O certo é que aconteceu e essa foi uma divída perpétua que os meus avós pagaram, os meus pais também e...eu, claro! Certinho.
A contrariar estas contas depressivas, Luis Baena enche-me a mesa de cor.
No cesto de pães,  pontuam a irreverência e a alegria da cozinha do Manifesto. Hostias de arroz, chapata, paezinhos de sementes.  Ao lado,   manteiga de ovelha de azeitão, manteiga dos açores e um pedacinho de queijo de ervas  e, ainda, uma gema de ovo trufada. Fico a saber que são ovos cozidos a baixa temperatura e batidos em creme com azeite de trufa branca. Casa lindamente com as manteigas. Cara alegre, se faz favor, que tristezas não pagam dívidas!

















À esperança devolvida junta-se agora o glamour com uma Terrine de foie gras numa telha de pão e um rolinho de geleia de moscatel e banana fumada.  Magnifica apresentação e sabor. O rolinho dá a nota criativa do prato e acompanha muito bem,  sem esconder a delicadeza clássica da terrine.


O brinde é feito com espumante Loridos Chardonnay. Aroma intenso e seco. Como intenso é o sabor que se segue. O caldo de ouriço e navalheira. Criatividade na apresentação. Excelente aveludado.


Ovo em cocotte com manteiga trufada. Irrepreensível. Uma receita tradicional francesa, deliciosa, apresentada num pequeno ramequin transparente. Simples, mas reconfortante.


No casamento do copo é-nos sugerido o Terra D’Alter Branco 2010. Um simpático alentejano que serve de fio condutor para a Vieira braseada, com caldo Dashi, feito à base de algas e peixe fumado.  A pontuar,  feijão preto chinês, preservado em salmoura. Não sei descrever de outra forma o prato. Uma suavidade desconcertante, apenas quebrada pelo sabor salgado do feijão. Ponto! Na virgula, olho em frente e, ao fundo,  consigo vislumbrar o ritmo da cozinha. Leio boa disposição! Perfeito! Siga a dança!


Risotto de bacalhau de coentrada. Numa variante especial, apenas para mim, o mesmo bacalhau de coentrada, mas, em...”salsicha”  de migas! Soberbas  migas! Igual nota para o risotto! Tomo eu nota da partilha. Está devidamente anotado e registado com fotografias.


Como prato de carne, apresenta-se  o culombo de novilho. Lombo e rabo de boi, este  envolvido no véu da tripa. Texturas macias a deixar brilhar os sabores apurados.  Na composição do prato entra ainda um pão de ervas  e batata palha enformada cozinhada no forno.  Para acompanhar,  um Rubrica tinto, 2008. Um alentejano produzido no Monte do Carrapatelo por Luis Duarte. Um vinho sedutor. Queixo-me da temperatura. Sem contestação. E enquanto vai a retificar, verte-se no copo um Anselmo Mendes da Quinta da Carregosa.  Bom. Muito Bom. Mas sofre do mesmo mal. Acima da temperatura ideal.  É o único detalhe a merecer nota menos positiva.


Luis Baena volta à mesa. Retomamos a conversa. O Japão, a depressão económica portuguesa, a atitude dos portugueses, o  que fazer para arregaçar mangas, o made in Portugal! O Chef fala-me das conservas dos Açores e dos produtos das Penhas Douradas que está a colocar no mercado de Lisboa. Conversa feita de brilho nos olhos e paixão nas palavras. Projectos de esperança.
Penhas Douradas food. Uma nova gama de produtos gourmet, feitos a partir de matérias primas da Serra da Estrela.
Na mesa, discos de vinil servem de marcadores. A decoração em estilo pop art onde todos os detalhes, mas mesmo todos, contam.  Ainda há espaço para a sobremesa. Mais uma irrequieta criatividade. Um pastel de nata desconstruído. Na minucia, uma folhinha de manjericão cristalizada. Dá cor e sabor. Tomo nota. E noto a mão da sub-chefe Marlene Vieira. Quase tão bom como o pastel em mil folhas de José Avillez.


Mantem-se a conversa.
Luis Baena é um dos mais inspirados e surpreendentes chefes em Portugal. Dispensa apresentações. Uma cozinha com  personalidade. De culturas e afectos. Delicada, mas ousada. Provocadora, mas aconchegante.  De efeitos visuais, sem por em causa os sabores.
Comida feita, companhia desfeita, diz um provérbio popular e Baena manda-me “ir às urtigas”, que é como quem diz: na despedida, oferece-me um tubinho de pesto de urtigas made in Penhas Douradas.
Uhmmmmm!  Fico logo a magicar num...tagliatelli integral de massa fresca com pesto de urtigas!!!

Restaurante Manifesto
Largo de Santos 9C
1200-808 Lisboa
Tel 21.396 3419
http://www.restaurantemanifesto.com/

1 comentário:

  1. Parabéns por este blog que não conhecia mas do qual vou passar a ser visitante assíduo.

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