"Non... rien de rien...
Non... je ne regrette rien
Car ma vie, car mes joies,
Aujourd'hui, ça commence avec toi!"
Car ma vie, car mes joies,
Aujourd'hui, ça commence avec toi!"
Não conheço Victor Claro. Não cheguei a ir ao Albatroz, muito menos à Malhadinha.
Um dia, registo o desafio deixado em mensagem no FacebooK: “ não quer vir ao meu novo restaurante?”
Seria mais um dos muitos convites que entram na minha “piquena” lista de “está-bem-quando-puder”, não fosse o caso do restaurante ser um espaço que me é querido.
Há muitos anos que lá não ia, já que eu fujo da decadência como o diabo da cruz…
Mas o convite, feito desafio, e a vontade que eu tinha de conhecer a cozinha de Victor Claro, falaram mais alto. Por que não? Não vou à espera de recriar o clássico, mas bem feito, tornedó com molho de mostarda, palmitos e batatas fritas que, invariavelmente, comia, já lá vão muitos anos. Não, não espero nem procuro um regresso ao passado.
Quero ser surpreendida. E espero ser surpreendida. É, na maioria das vezes, a razão que me leva, nos dias que correm, a trocar o jantar caseiro pelo restaurante.
E é o que faço numa destas noites de sexta-feira. Ala que se faz tarde: marginal fora, a aproveitar uma noite fria. mas límpida. Do rádio do carro, salta a voz de Edith Piaf: ”Non, rien de rien. Non, je ne regrette rien” …
Antes de Paço de Arcos, viro à direita, para entrar no estacionamento do Hotel Sol Palmeiras, um antigo palacete frente ao mar.
Victor Claro pegou no La Cocagne, mudou-lhe o nome, baptizando-o com a força do próprio apelido, e fez o restaurante ressurgir das cinzas.
A cozinha é simplicidade, onde a qualidade dos produtos se une ao bem-fazer. É o que encontro neste restaurante de Victor Claro. Arte, numa cozinha bonita.
Victor recebe-nos na antecâmara do restaurante, uma generosa zona de espera e não aqueles minúsculos espaços que só existem para compor a decoração. Encaminha-nos à mesa, na varanda fechada, com vista para o mar.
A primeira grande dúvida de sempre é que vinho escolher, dúvida de imediato resolvida, com a proposta - Posso trazer o meu vinho? A pergunta tímida do chefe, sem esconder um indisfarçável orgulho.
Orgulhoso do seu vinho e com toda a razão. Dominó Branco 2010. Um vinho de autor que a Niepoort Projectos acolheu. Victor Claro comprou a produção inteira de uma pequena vinha velha, na Serra de São Mamede, e a Niepoort aceitou produzir. Aromático, fresco. Faz uma excelente ligação com grande parte da refeição.
Conseguido o primeiro prazer inesperado da noite, os meus olhos ficam presos a uma cesta de pão. O miolo macio e húmido, com largos alvéolos e côdea tostada, bem crocante. Guloso. Uma fatia não vê outra. Não sobra migalha para acompanhar o paté de porco que chega à mesa, também ele de chorar por mais.
Ostras com maçã e maracujá. Azar o meu. Na lista do que não gosto, esqueci-me das ostras! Penitencio-me, obrigando-me a “engolir” uma. Fresquíssima, reconheço. Abençoado maracujá! As restantes, aproveitando uma distracção do chefe, desaparecem no prato da frente com olhinhos de felicidade.
Mint jelly é uma geleia de hortelã-pimenta, uma tradicional compota que se usa na cozinha indiana. Açúcar, menta e vinagre branco. Uma fresca explosão.
Ravioli com beterraba. Com óleo de sementes de abóbora.
Vitor Claro a colocar em prática o conceito de um prato em dois actos.
Voltamos ao peixe. Cachucho em caldo de marisco, com burriés, ostra e juliana de pepino. O peixe cozinhado em vácuo. Fresquíssimo. Mais uma vez, às escondidas do chefe, a ostra "voa" para o agradecido prato da frente. Posso apreciar o resto do prato...sem constrangimentos!
"Chega de frescura!"...com todos os elogios, é claro, mas a noite pede mais calor. E como resistir a um Colares de 69 para fazer companhia à barriga de porco preto com camarão e noodles: massa de ovo em caldo de camarão, com molho de soja.
Por esta altura, o estômago já reclama e o chefe adivinha que a sobremesa deve surgir apenas como...um aconchego. Pêra com gorgonzola. Um clássico, sem reparos, a servir para terminar o vinho.
Vinhos que nos fazem sonhar e salivar, mas numa mesa em frente reparo num jovem casal e no Prova Régia que escolhem para acompanhar a refeição. Claro! Porque não? Há momentos que valem por si...
Tchim-tchim!...