“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Claro! – Uma cozinha de exclamações…


"Non... rien de rien...
Non... je ne regrette rien
Car ma vie, car mes joies,
Aujourd'hui, ça commence avec toi!"

Não conheço Victor Claro. Não cheguei a ir ao Albatroz, muito menos à Malhadinha.

Um dia, registo o desafio deixado em mensagem no FacebooK: “ não quer vir ao meu novo restaurante?”

Seria mais um dos muitos convites que entram na minha “piquena” lista de “está-bem-quando-puder”, não fosse o caso do restaurante ser um espaço que me é querido.

Há muitos anos que lá não ia, já que eu fujo da decadência como o diabo da cruz…

Mas o convite, feito desafio, e a vontade que eu tinha de conhecer a cozinha de Victor Claro, falaram mais alto. Por que não? Não vou à espera de recriar o clássico, mas bem feito, tornedó com molho de mostarda, palmitos e batatas fritas que, invariavelmente, comia, já lá vão muitos anos. Não, não espero nem procuro um regresso ao passado.

Quero ser surpreendida. E espero ser surpreendida. É, na maioria das vezes, a razão que me leva, nos dias que correm, a trocar o jantar caseiro pelo restaurante.

E é o que faço numa destas noites de sexta-feira. Ala que se faz tarde: marginal fora, a aproveitar uma noite fria. mas límpida. Do rádio do carro, salta a voz de Edith Piaf: ”Non, rien de rien. Non, je ne regrette rien” …

Antes de Paço de Arcos, viro à direita, para entrar no estacionamento do Hotel Sol Palmeiras, um antigo palacete frente ao mar.

Victor Claro pegou no La Cocagne, mudou-lhe o nome, baptizando-o com a força do próprio apelido, e fez o restaurante ressurgir das cinzas.

A cozinha é simplicidade, onde a qualidade dos produtos se une ao bem-fazer. É o que encontro neste restaurante de Victor Claro. Arte, numa cozinha bonita.

Victor recebe-nos na antecâmara do restaurante, uma generosa zona de espera e não aqueles minúsculos espaços que só existem para compor a decoração. Encaminha-nos à mesa, na varanda fechada, com vista para o mar.

A primeira grande dúvida de sempre é que  vinho escolher, dúvida de imediato resolvida, com a proposta - Posso trazer o meu vinho? A pergunta tímida do chefe, sem esconder um indisfarçável orgulho.

Orgulhoso do seu vinho e com toda a razão. Dominó Branco 2010. Um vinho de autor que a Niepoort Projectos acolheu. Victor Claro comprou a produção inteira de uma pequena vinha velha, na Serra de São Mamede, e a Niepoort aceitou produzir. Aromático, fresco. Faz uma excelente ligação com grande parte da refeição.



Conseguido o primeiro prazer inesperado da noite, os meus olhos ficam presos a uma cesta de pão. O miolo macio e húmido, com largos alvéolos e côdea tostada, bem crocante. Guloso. Uma fatia não vê outra. Não sobra migalha para acompanhar o paté de porco que chega à mesa, também ele de chorar por mais. 


Fico a saber que o pão, rústico, é feito no restaurante. Simples, esclarece-me o chefe: água, farinha e fermento. Parece, de facto, simples. Mas sei, por experiência própria, que não é tão fácil quanto parece. Faço vénias.

Ostras com maçã e maracujá. Azar o meu. Na lista do que não gosto, esqueci-me das ostras! Penitencio-me, obrigando-me a “engolir” uma. Fresquíssima, reconheço. Abençoado maracujá!  As restantes, aproveitando uma distracção do chefe, desaparecem no prato da frente com olhinhos de felicidade.

Percebo que o chefe se divide entre a cozinha e a sala. Empresta um tom intimista, estilo "a-minha-mesa", sem pretensões, mas...com alma! Disponível para explicar, aberto a conversar quando chamado a isso.

Segue-se a sopa de peixe – atum em cubinhos num consommé transparente, brunesa de cenoura e um ravioli de mexilhão com mint jelly, que o chefe recomenda que se coma no fim.

Mint jelly é uma geleia de hortelã-pimenta, uma tradicional compota que se usa na cozinha indiana. Açúcar, menta e vinagre branco. Uma fresca explosão.

Hora dos legumes. Um puré com couve flor e aipo e um toque de trufa em farrapos.  A mais valia da trufa a revelar-se quase só no efeito visual.

Ravioli com beterraba. Com óleo de sementes de abóbora.












Vitor Claro a colocar em prática o conceito de um prato em dois actos.

Voltamos ao peixe. Cachucho em caldo de marisco, com burriés, ostra e juliana de pepino. O peixe cozinhado em vácuo. Fresquíssimo. Mais uma vez, às escondidas do chefe, a ostra "voa" para o agradecido prato da frente. Posso apreciar o resto do prato...sem constrangimentos!


"Chega de frescura!"...com todos os elogios, é claro, mas a noite pede mais calor. E como resistir a um Colares de 69 para fazer companhia à barriga de porco preto com camarão e noodles: massa de ovo em caldo de camarão, com molho de soja.


Divino! Adivinho que a balança vai cobrar...mas, não me arrependo do "pecado".

Por esta altura, o estômago já reclama e o chefe adivinha que a sobremesa deve surgir apenas como...um aconchego. Pêra com gorgonzola. Um clássico, sem reparos, a servir para terminar o vinho.


Uma carta de vinhos única, feita à medida dos sabores do chefe, com alguns Borgonhas, a confessada zona fascínio dos “vinhos a sério”.  E os Bordéus,  a servir de montra - um Latour 99 a 420 euros ou um Margaux 2002 a 360 euros.

Vinhos que nos fazem sonhar e salivar, mas numa mesa em frente reparo num jovem casal e no Prova Régia que escolhem para acompanhar a refeição. Claro! Porque não? Há momentos que valem por si...

Tchim-tchim!...

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