“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ypsilon – Um quadro sem moldura



Noite escura mas amena sem o habitual vento irritante do guincho.

Ainda assim sinto frio nos olhos.

Muito vidro e metal. Nenhuma madeira. Rocha e areia. Fica a faltar o verde, apesar dos pinheiros.

É a primeira impressão que se tem quando se chega ao novo hotel Oitavos. Entrada moderna, despojada, em tons branco e cinza. Paredes meias com a recepção do hotel surge logo a cozinha em vidro, aberta, a mostrar-se para o lounge.

Para se ir para a zona de leitura ou de estar do hotel  tem então que se atravessar todo o espaço de gastronomia. É esse o primeiro desconforto. Para quem está à mesa e para quem passa.

Musica ambiente a invadir todo o open space. Alta, demasiado alta, a merecer reclamação. 

À direita, o lounge, onde se podem apreciar os petiscos, à esquerda, o Ypsilon Gourmet,  sem que se destingam um do outro e nenhum deles a permitir privacidade,  separados apenas por uns aparadores a marcar o corredor de passagem. Em noite de azar também pode contar com a companhia de uma ruidosa televisão ligada num canal de desporto.

À mesa nunca nos conseguimos esquecer que estamos num hotel.

São oferecidas três qualidades de pão industrial, que quando aquecidos passam, mas, à temperatura ambiente, apresentam-se sem graça e foi este o caso. A menina, abraçada ao tabuleiro, a esquecer-se de fletir um pouco para permitir a visualização do dito. Por companhia apenas um galheteiro com azeite e vinagre. Frugal, a dar espaço ao estomago para apreciar os sabores do chef Aimé Barroyer que aprendi a apreciar na lindissima sala do Valle Flor e a quem a gastronomia portuguesa ainda não prestou a devida homenagem. E Barroyer interpreta os sabores lusitanos  como poucos portugueses o fazem.

Estava, portanto, ansiosa por me reencontrar  com este pintor da cozinha.

É-me apresentado o menu de degustação preparado para essa noite (O menu muda diariamente conforme a inspiração do chefe e do mercado).  E nem a almondega de sardinha que me é prometida logo a abrir a lista de sete pratos me faz desistir. Bem sei que pode ser visto como uma traição lusa mas, odeio sardinhas e nada, mas mesmo nada nem ninguém me faz impor ao meu palato o sabor da sardinha. Por isso, peço para substituir a almondega e recebo como resposta um “passa então o primeiro prato”. Homessa!!! Não passo não e acredito que  o chefe, ainda que tenha de recorrer a um qualquer aprendiz,  possa empratar, de recurso, umas quaisquer folhinhas ou uns rebentos que sejam. Felizmente, a falta de tacto revelada pelo serviço de sala não tem correspondência no outro lado do vidro.

E  lá veio para a mesa um rolinho de salmão fumado em harmonia com a sardinha em almondega, a rir-se para o comensal que faz o favor de me acompanhar. Do outro lado da mesa, recebo notas de agrado e verifico que a base do prato não tinha sido alterada. Chermula que, creio, nunca ter provado, mas sem ninguém a saber explicar à mesa nem mesmo quando questiono um dos empregados. Um molho do Magrebe, fico a saber já depois, à frente de um computador,  mas não me atrevo a reproduzir a recriação feita por Aimé Barroyer porque ficou a faltar essa informação.

E não preciso que me digam que me estão a trazer para a mesa uma almondega de sardinha e salmão. Isso vejo eu! O que eu precisava era de uma explicação para o creme branco e para a pasta vermelha que serve de cama. Pimentos, julgava eu. Tomate, diz-me o tal empregado.

Para fazer companhia ao primeiro prato um Teixeiró Branco 2009, produção Champalimaud, claro, apresentado como um vinho do Douro com castas do Dão!!! E só por isso, explicava o empregado a fazer as vezes de escanção, o vinho não era da região demarcada. Loureiro é casta de vinho verde, sei eu e sei pouco de vinhos.

Seguiu-se um carpaccio de touro com ventresca de atum.  Mais uma vez faltou informação na descrição dos pratos. Carne  ligeiramente curada,  creio que  também fumada, ladeada por duas emulsões sem descritivo. Por cima, umas finissimas, transparentes, folhas de queijo.  Uhmmm! Só o posso eleger como o melhor carpáccio que alguma vez comi. E vieram Bons Ventos da Casa Santos Lima. Um Rosé de 2008 que cumpriu a sua função.

Polvo, lavagante e linguado fazem o prato seguinte, sabores suaves para acalmar o palato, onde só pecou o linguado por falta de frescura.  O Monte da Ravasqueira tinto 2009 fez boa ligação.

O lingueirão com presa e feijão sobre caldo, irrepreensível, com  uma vagem a dar o toque de requinte. No vinho, mais uma produção champalimaud, o Quinta do Côtto tinto que só me merece todas as reservas  por substituir a rolha de cortiça por cápsula.

Duas sobremesas fecharam a lista. Pouco doces, muito suaves, sem reparos mas sem que fiquem na memória.

Entre a sala e a cozinha, não bate a bota com a perdigota, mas já tinha saudades de mergulhar na criatividade de Aimé Barroyer. Só por ele vale a pena a deslocação a Oitavos.

Vou voltar mais vezes, apesar do ambiente desconfortável, apesar do serviço de sala a precisar de uma aprendizagem intensiva para se colocar à altura da criatividade sublime do chef. Nada que umas pinceladas valentes não resolvam. E impõem-se, porque uma boa tela até dispensa moldura, mas um bom restaurante não se faz só com a cozinha.

O Ypsilon não tem carta, apenas o Menu de degustação, escolha diária do chefe, a 75 euros com vinhos e 65 euros sem vinhos.

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