“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Panorama – Uma Estrela no céu


Há restaurantes onde se vai pelo ambiente, outros pela vista e, na maioria dos casos, acredito, pela cozinha. Entramos no reino dos céus quando conseguimos o melhor dos mundos e, neste caso, basta subir ao último andar do Hotel Sheraton, em Lisboa.


Lá, no alto, esquecemos os maus cheiros, o lixo, os passeios esburacados, as ruas em rendilhados de alcatrão ondulado, os prédios desmaiados para já não falar dos moribundos, entaipados numa cidade cada vez mais terceiro-mundista onde se cruzam toda a espécie de condutores que, quando agarrados ao volante, se despem dos comportamentos minimos da boa educação. À saida do elevador, abre-se a porta para o céu.

Lisboa aos pés, seja à luz do dia, seja com as luzes da noite,e a cidade transforma-se num postal ilustrado. Um cenário sonhador, envolvente. E nesse reconforto impôe-se primeiro um aperitivo no bar. Reconciliados com a vida, podemos então sentar-mo-nos à mesa de Leonel Pereira para desafiar os cinco sentidos.

E mesmo que o dia tenha sido longo, ali, não queremos que a noite acabe.  Os copos, os marcadores e os talheres Christofle reforçam o requinte do lugar.

Confesso que nem olhei para a carta, certa de que o menu “Tentação” me daria a sofisticação de temperos e sabores deste inicio de Outono.

Couvert simples de pão e azeite, o suficiente para acalmar estomagos mais famintos ou aqueles que não dispensam o pão à mesa.  De azeitona, ou de sementes de sésamo, pão escuro ou ainda a focaccia, que, apesar de muito boa, não bate a que sai do meu forno. Sem falsas modéstias.

Sigo para o “branco e preto”.  Dados de ”choco gigante sob pressão a 67ºC, creme de batata negra e ar de azeite com alho”, é assim que surge na descrição e é assim, num chapéu branco, que se apresenta à mesa. O puré de batata com tinta de choco a servir de cama aos pequenos “crutons”. Os cubos de choco a revelarem-se um pouco secos.

Segue-se o prato mais surpreendente desta carta de Outono. Carabineiro encarnado do Algarve, com xerém sólido de milho branco, algas, ovas de tobiko e ouriço do mar. “Maresia”, é como Leonel Pereira o baptizou...e, ao primeiro garfo, percebe-se porquê. É um mergulho, de chapão, no mar. O xerém em folha de lasanha a servir de tapete. O Carabineiro, fresquissimo, depositado em cima das algas. Ousado. Intenso. Primeiro, estranha-se, depois ...somos envolvidos numa onda de sensações...

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
(...) 
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.


Para quem seguir o menu com bebidas, estas  duas primeiras criações têm por companhia um vinho verde da Niepoort.  Giro Sol, 2009, um varietal loureiro pouco alcoólico (11,5% Vol), muito suave, magnifica acidez a deixar brilhar os pratos.

Ainda mal refeita, mantenho-me na brisa do mar, com um filete de “dourada selvagem em vapor do mar com espinafres, pétalas de tomate e algas frescas”.  Uma suavidade que permite concentrar o palato na dourada que, na sua versão selvagem, é um especime cada vez mais raro, mesmo nas melhores mesas.

E quando se pedia a seguir um prato de carne, eis que voltamos ao marisco com uns” lagostins salteados  com flor de sal fumada sobre um risotto de pezinhos de coentrada”. Uma ligação interessante, bem apurada. Um Fiuza Sauvignon Blanc, cumpre a função.

Para a última tentação salgada, Leonel Pereira propõe um “carré de borrego assado, rosti de batata com alperces, figos e ananás desidratados, cenoura baby caramelizada”. Mas, como eu e o borrego não nos entendemos, peço antecipadamente uma troca e, no meu prato, em vez do mé-mé, é-me apresentado um naco de Angus, mal passado como se impõe. Os meus companheiros de mesa diziam que o carré estava macio e no ponto.  O rosti a pôr em  contracena o crocante da  batata e a doçura acre dos alperces e do ananás, tudo a dizer que sim ao mel dos figos e ao açúcar da cenoura.  Um tinto do Douro brilha no conjunto. Quinta da Castainça, Grande Escolha, 2004.

Consciente de que chegados aqui, já não sobra espaço no estomago, Leonel Pereira apresenta no menu uma sobremesa leve, que descreve como uma “transparência de frutas perfumadas com gengibre sobre um creme de pêssego e broto de mostarda”. Uma gelatina rosada serve de lençol. O gengibre intensifica a frescura da fruta. O broto aguça o paladar. A desgustação termina com chave de ouro. Um “piqueno” reparo apenas para o Real Companhia Velha Vintage, 2000, que, para meu gosto, teria bebido a uma temperatura um pouco mais baixa.

Produtos de qualidade, pitadas de surpresa  e emoção, transparece a simplicidade de um chefe que empresta alma e alegria em todos os detalhes.  Alta cozinha a condizer com a vista.

Menu sem bebidas a 60 euros. Com bebidas, 84 euros.


Panorama
Hotel Sheraton
Rua Latino Coelho, 1
1069-025 Lisboa
(351)213120000
http://www.sheratonlisboa.com/pt/panoramarestaurante

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