“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Assinatura – Um restaurante de marca

Discípulo de Aimé Barroyer, no Pestana Palace, Henrique Mouro acreditou naquele conceito que faz caminho lá fora, (veja-se Arzak, Berasategui e...Ferran Adrià),  mas não vinga em Lisboa, o de que um restaurante fora da cidade vale por si e serviria de pretexto para os alfacinhas fazerem uns quantos quilómetros em busca da boa comida. Depois de duas experências, primeiro em Azeitão, depois em Vila Franca de Xira, este jovem cozinheiro deu a mão à palmatória e regressou à capital. Se a montanha não vai a Maomé, vai Maomé à montanha, claro!

A decoração deste restaurante, bem no centro de Lisboa, entre o Rato e o Marquês de Pombal, traduz essa rendição à cidade. Os telhados, a Sé, o Aqueduto, a ponte 25 de Abril, em imagens sobrepostas,  preenchem,  parede a parede, o fundo do restaurante. No contraste da nudez das outras paredes, é esse painel que se impõe.

Depois, há o andar de baixo, uma pequena sala, toda ela ocupada por uma grande mesa ligada à cozinha aberta. A “mesa do chefe”, que pode ser reservada para um único grupo, ou, partilhada por clientes que se vão sentando. Aqui, Henrique Mouro promete atenção personalizada, explicando, ele próprio, cada um dos pratos, enquanto os clientes podem assistir, de plateia, à movimentação junto dos tachos e panelas.

Uma ideia muito semelhante à “Casa Marcelo”, um pequeno restaurante, mas já com uma estrela Michelin, junto à catedral de Santiago de Compostela, com  cozinha escancarada para a sala. Aí não há carta fixa, serve-se apenas um menu de degustação fechado, que muda em função dos produtos frescos  que Marcelo Tejedor consegue descobrir, diariamente, nas bancas do mercado local.

Aqui, no Assinatura, há dois menus de degustação. Um de sete pratos,  a 55 euros, ou de 5 pratos, a 45 euros. Há ainda a carta da estação e menus temáticos que vão sendo anunciados no site do restaurante.

Desta vez, o pretexto para reservar mesa, se é que são precisos pretextos, foi a anunciada trufa branca. Um cogumelo que não pode ser cultivado e se desenvolve espontaneamente debaixo de terra junto a raízes de árvores.

Considerada o ouro branco de Itália, a época é muito curta, de Outubro a Dezembro, no máximo. É quando chefes e restaurantes do mundo inteiro criam menus e pratos especificos para apreciar esta iguaria de valores astronómicos.  Num leilão, feito por este dias, na região de Alba, um comprador de Hong-Kong rematou uma trufa branca de 900g por 105 mil euros. Não me enganei, não senhora. Cento-e-cinco-mil euros!!!

Compra tão mais ousada quando se sabe que pouco mais de uma semana após a colheita, o cheiro marcante começa a dissipar-se e, com ele, também o sabor. Come-se em lascas sobre massas, arrozes ou ovos e pouco mais, para não desvirtuar a personalidade do tartufo.

No Assinatura há seis sugestões para a trufa:  em creme de nabo e “presunto” de pato, numa omelete com queijo da ilha, numa arrozada com fungos e raízes, num folhado com pescada arrepiada ou ainda na vitela maronesa com maçã e batata. A sobremesa não está esquecida: gelado de baunilha e leite creme de chocolate branco também casam aqui com a trufa.

Pratos servidos individualmente ou, estas seis sugestões podem chegar à mesa sob a forma de menu de degustação por 120 euros.

E a “discussão” começou ainda no carro, quando anunciei que não tinha espaço para um menu. Tudo por culpa de uma ida ao supermercado onde me entretive em provas de queijos.

“Oh, Natália, parece impossível!!!” – Não percebo a exclamação, confesso! Há quem se perca por trufas. Por mim, fico muito feliz com pão, queijo e vinho. De pedacinho em pedacinho, tinha-me regalado com os queijinhos e no carro das compras entrou um Azeitão, um cura amarela de Castelo Branco e...pronto, está bem, revelo o meu pecado: mais um queijo da serra velho e um Roquefort. E...ooops, um lindo camembert tru-fa-do!

É, portanto, sem apetite que chego ao Assinatura. Rejeitado o menu de degustação, era só preciso fazer um compromisso para que as trufas chegassem à mesa de diversas formas, mas sem queixas para o meu estomago. A partilha é um gesto cristão que eu gosto de praticar. Por isso, fica assente, dividir as entradas. Concedo nas entradas, mas reservo para mim a escolha do prato.

Acertada a lista, o amuse buche - que por opção de Henrique Mouro é anunciado como “entretem do chef” - recai sobre um shot de caldo de marisco com uma espetadinha de camarão. Camarão no ponto, perfeito.  Notável, o caldo. Leve, sem ponta de natas, ao contrário do que é habitual ver-se por aí, a permitir aproveitar apenas os sabores do marisco e a descobrir os rebentos de coentros.

Na mesa, já estavam um azeite Carm, manteiga de ovelha e fatias de pão de quinoa com sementes de papoila, de alfarroba e de kamut.

Veio, então, a dividir por dois, o creme de nabo e presunto de pato com trufa branca. Um excelente aveludado em que se fundiram, sem se anularem, os sabores do caldo e do nabo. O pato, fumado na cozinha do restaurante, bom, muito bom, mas a impor-se no sabor e a ofuscar a trufa.

Confirmo depois, com a entrada seguinte, que as trufas, por si, também já tinham perdido grande parte do sabor e aroma. O queijo da ilha, a sobrepor-se uma vez mais às timidas trufas, mas são os ovos, a omolete, a verdadeira rainha da noite. É preciso mão para saber bater os ovos no ponto certo e é preciso também técnica apurada para que a cozedura  atinja igualmente o ponto certo. E esta omolete, feita em azeite, a merecer muitos pontos de exclamação, que assim, já não comia desde a infância.

Chegados aqui, trapos separados; e, por isso, provei apenas a pescada em folhado, perfumada de trufas. Massa leve, peixe tratado com carinho, que o aroma das trufas alegrou.

Para mim, a carne. Sem trufas. E desconfio que não teriam acrescentado em nada ao resultado final do prato. Vitela Maronesa, cogumelos e maçã. Matéria prima de qualidade. Uma grossa posta bem rosadinha, como se pedia, num molho de vinho do porto bem apurado.

Depois. Depois, no lugar à minha frente, ainda houve espaço para a arrozada, um quase risoto, cuja cremosidade saltava à vista e que era acentuada - disseram-me -  pelos cogumelos e pelo topinambur, com crocantes de pastinaca e salsifi a fazer o contraste.

Apostas arriscadas, a traduzirem-se, numa selecção menos conseguida. Pedia-se mais frescura e aconchego a sabores mais suaves. Trufas traiçoeiras, ainda assim, a cozinha de Henrique Mouro dá prazer. Merece assinatura. Sim, eu vou voltar! Mesa para dois, por favor. 



Restaurante Assinatura
Rua Vale do Pereiro, 19
1250-270 Lisboa
Tl 213867696
restaurante@assinatura.com.pt

Sem comentários:

Enviar um comentário