“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Tasca da Esquina – Pestiscos reconfortantes numa cozinha moderna

A vida tem destas coisas que não se explicam. Por uma razão ou por outra, vou poucas vezes à Tasca da Esquina.

Um “crime lesa chef”, tanto mais que a cozinha que se pratica cá em casa é de forte inspiração na gastronomia de Vitor Sobral. Benditos cursos que conseguiram transformar um homem que mal sabia estrelar um ovo, num criativo cozinheiro doméstico. Ora, para tal tarefa é preciso um grande mestre.

Bom, mas lá diz o povo, não há fome que não dê em fartura e, em duas semanas, fui jantar à Tasca da Esquina duas vezes.  Um restaurante com duas pequenas salas, à entrada junto ao grande balcão, mesas altas conseguem acomodar 14 pessoas, na outra, uma esplanada fechada com paredes de vidro, mesas mais pequenas em tamanho e em altura, permitem abrigar 28 clientes. Numa e noutra, as cadeiras forradas são muito confortáveis.

O verde água da pintura empresta um ambiente zen ainda mais sublinhado com a madeira crua das caixas de vinho que dominam a decoração.  Um estilo rustico inglês, que dá requinte a um restaurante que se apresenta simples e informal. Uma decoração de detalhes a combinar com uma cozinha onde todos os detalhes também contam.

Excelente pão alentejano e broa, a fazer boa companhia a umas irrecusáveis azeitonas. Viciantes. Na ementa, uma longa lista de pesticos.

Há duas semanas, com o chef ausente, entreguei-me, sem temer,  às escolhas de Hugo Nascimento e Luis Espadana, a dupla de sub-chefes, num menu muito simpático

Mais recentemente, num jantar de vinhos Paulo Laureano, com Vitor Sobral a mostrar toda a garra, ao cruzar a cozinha tradiconal com roupagens tropicais.

Começámos com um creme de tomate e marmelo, berbigão e caviar de salmão. O marmelo para cortar a acidez do tomate, aparece à entrada, mas apaga-se para surgir o tomate. Ao centro do aveludado um ravioli de massa de arroz com recheio frio de berbigão. Só berbigão, sem farinha. Quente e frio, foi a sensação que me ficou deste conseguido conjunto que teve por companhia o Paulo Laureano clássico 2009. Um vinho despretencioso, fácil de beber. Predominância de Antão Vaz, um pouco de Roupeiro dá-lhe frescura e uma tonalidade citrina.

A seguir, remexo-me na cadeira quando vejo carapau fumado e escabeche de romã. Pois é! Carapaus e sardinhas estão no peixe, como cabrito e borrego nas carnes. Nem lhes quero sentir o cheiro!!! Indelicada eu sei, mas a repugnância pelo dito carapau é mais forte, por isso acabo por confessar que passo o prato. Minuto e meio depois, tenho à minha frente um rosado atum, levemente braseado, com o mesmo escabeche de romã. Enquanto os meus companheiros de mesa ficam com o sabor intenso do peixe azul, eu ganho suavidade na harmonização de sabores e posso comprovar os elogios que estavam a ser feitos ao escabeche, macio, e o detalhe aqui, é o vinagre de xerez a fazer a diferença.

No copo, brilha o topo de gama branco de Paulo Laureano. Um vinho já com mais corpo e gordura, sabores tropicais a condizerem também com o prato seguinte:  camarão com gengibre, descrição singela para um dos pratos mais conseguidos da noite. Os camarões fritos num leve polme. Tão” levezinho”, na modesta expressão de Vitor Sobral, que ele servia apenas de transparência aos camarões que se apresentaram no ponto, a brilharem numa geleia de marmelo com gengibre e piripiri. Simplesmente delicioso este agridoce. Delicado e delicioso!
Na lista, apresenta-se a seguir um bacalhau, com toucinho, batata doce, tangerina e caviar. O sal da lâmina de toucinho a condimentar o bacalhau que “o bacalhau tem de ter sal”, diz o chef, que partilha um gosto comigo: bacalhau com vinho tinto. O Paulo Laureano Premium tinto 2008 entra no serviço. Um vinho muito elegante, macio, de final prolongado.
Seguimos para as moelas, cogumelos e castanhas. Azar o meu, também não gosto de moelas. Ganharam asas e voaram para o prato do lado. Chiuuu, ninguem viu!... Os cogumelos, muito bons, o puré de castanhas numa consistência propositadamente seca, nuna espécie de crumble. Preferia um pouco mais macio.

No copo, já estava um Paulo Laureano Reserve 2007. No prato, chegou um pastel de rabo de boi, com uns espargos salteados a servirem-lhe de cama e a impedirem que o pastel assentasse directamente no molho do dito. Uma redução do caldo, numa espécie de demi-glace, com os sabores todos concentrados, o recheio do pastel suculento. Por si só valia todo um jantar e foram sete os pecados que havia ainda sobremesa na lista.

Numa cozinha feita  com alma de cozinheiro, sempre em busca de novos sabores, Vitor Sobral nunca perde de vista as origens e por isso escolheu a simplicidade do tradicional arroz doce. Este com o toque do limão bem presente. “Tal e qual como na minha infância”, confessa-se o chef, reconhecendo que, por isso mesmo, esta é uma das escolhas mais ingratas. Quem pede arroz doce procura os sabores da memória e o carimbo de bom ou mau é atribuido em função desses encontros ou desencontros. Concordo, já desisti de procurar o sabor do arroz doce da cozinha da minha avó, por isso concedo em pedir emprestado outras memórias...

Arrumada a mesa e ainda se falava de vinhos.  Não houve remédio e lá se abriu um Paulo Laureano Tinta Grossa, uma casta que ainda resiste na Vidiqueira. Um vinho de cor carregada e aromas concentrados, com uma personalidade muito equilibrada. Vai ter que voltar, um dia destes, à minha mesa!

Juntar vinhos de sucesso com uma cozinha de sucesso só pode dar... um jantar de sucesso!

Restaurante Tasca da Esquina
Rua Domingues Sequeira 41-C
1350-403 Lisboa
Tlf. 210993939

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