Cai-não-cai? Treme, mas não cai?
Dia intenso. Com uma moção de censura anunciada, saio da Assembleia da Republica a fazer contas à vida para o próximo mês. O país fica parado, mas o corropio nos corredores terá doses extra!
A noite invernosa não ajudava a aliviar tamanho pessimismo, mas contava eu abrigar-me no aconchego do Olivier Café para afastar, por umas horas, o ambiente de crise que se vive por estes dias.
Confesso que preferia a anterior decoração de bistrô parisience. Na renovação, ganhou cor, é verdade, mas também acentuou um ar “novo-rico”, de duvidoso gosto.
Aligeirou-se o serviço. O serviço e a cozinha também, foi o que me pareceu. E se eu queria fugir à crise, no instante em que entrei, tive sensação diversa. A sala em L, fechada a metade por umas cortinas corridas que admitem abrir se eu quisesse optar por esse lado. Mas quem quer ficar numa sala vazia? - pergunto aos meus botões. Prefiro uma das três mesas que me dão a escolher, junto a outras três que já estavam ocupadas.
Segundos depois tenho já a ementa. Procuro o carpaccio de polvo que sempre apreciei desde os saudosos tempos do Olivier na Rua do Teixeira. Diz-me a menina que não está na lista porque “faz parte do amuse bouche composto por cinco entradas”.
Ainda estou a consultar a carta e lá vem para a mesa, sem que seja encomendado, o misto de entradas, “amuses bouches”, num conceito adulterado como se vê, até na escrita. A pequenissima entrada, habitualmente servida como cortesia, entendida como “ mimo do chefe” e que serve de apresentação, aqui paga-se e custa 12 euros por pessoa. Um carpaccio de polvo, outro de carne, um paté com cebola confitada, mais um taco mexicano e o folhado de queijo que fica à espera que se esvaziem primeiro os outros pratos. Mais um cesto de fatias de pão e um pratinho de azeite sem história.
Ritmo de serviço estranho! Já tinha tudo em exposição em cima da mesa e continuava eu de carta na mão sem que tivesse ainda hipotese de encomendar o prato principal e o vinho!!!
É no copo, com um Quinta de Carvalhais, encruzado, que encontro a alma que faltou à comida.
O carpaccio de polvo com molho de pimentos, sem vida, “a saber a frigorifico”; o de carne mostra-se já cozido pelo tempero; o taco mexicano, mole; paté de produção industrial, a reclamar por melhor fornecedor; o folhado de queijo, requentado.
Longe, tudo muito longe do brilho de outrora. Salvou-se o lombo de cherne sobre legumes e molho de lemon grass. Boa matéria prima. Não deslumbrou, mas apresentou-se com boa cocção.
Na sobremesa, meto a colher no prato em frente. Deixo passar no exame o petit gateau, um dos ex-libries do Oliver, mas reprovo o gelado industrial de baunilha. Também pede melhor fornecedor, ainda que, num restaurante deste nível, uma simples sorveteira pudesse evitar os arrepios da decadência.
Quando escrevo este texto já se conhece o destino que vai ter a moção de censura de Francisco Louçã e retenho a reacção de Francisco Assis ao considerá-la “um murmúrio”. Pode parecer falta de inspiração, mas não resisto a usurpar a imagem.