Já lá vão uns anitos. Tomei contacto, pela primeira vez, com a cozinha de José Cordeiro ainda ele estava em Amarante, na Casa da Calçada, restaurante de um soberbo hotel, bom destino para fim de semana.
E quando o conheci ainda não tinha a estrela Michelin. Mas já praticava uma cozinha imaginativa, embora com forte inspiração regional. Nunca mais esquecerei a bola de carnes que me ofereceu durante um fim-de-semana de Páscoa que por lá passei.
Do Tâmega para o Tejo, reencontro a arte e sabores de José Cordeiro no Feitoria, do Altis Belém. Há restaurantes de que se gosta mas, sabe-se lá porquê, onde não se vai com frequência. É este o caso. Fui lá jantar pouco depois da inauguração e só voltei agora, num destes dias.
Reservei mesa para a esplanada, mas o tempo pregou-me a partida: em dia quente, a noite estava fresca. E, claro, à chegada, dão-me logo nota de que estava preparada uma mesa dentro da sala. A opção seria minha. Grrrr!!!! Não é justo!
Sentei-me com pouco apetite, mas com vontade de comer bem, depois de ter estado no Peixe em Lisboa a assistir às apresentações dos chefes Pedro Lemos e George Mendes.
Apresentações de fazer crescer água na boca.
Apesar do sotaque cerrado do Porto, Pedro Lemos despertou-me a vontade de ir à invicta conhecer o seu restaurante.
Cerejão com cogumelos e trufa de verão |
Salmonete com molho de alho, rebentos de coentros e amores perfeitos |
George Mendes, o português nova-iorquino do Aldea, com uma estrela Michelin, mostrou-se incansável e muito inspirado. Cinco pratos numa hora! Tudo muito bem explicadinho, mas sem shwo off, que a arte está na criação.
Gamba com alho francês queimado e mousse de corais |
Raia com cogumelos Enoki |
Percebes com espargos brancos |
Risotto de Sapateira |
Bacalhau a baixa temperatura com acelgas e alho fresco e espargos |
De caminho ...prova-daqui-prova-dali , entre bolachinhas, pãezinhos, enchidos e azeites, mais uns quantos vinhos, tinha passado grande parte da tarde a trabalhar para a balança! Faltava “comida de garfo”. Sentar-me confortavelmente à mesa, num ambiente elegante e sossegado, para relaxar de uma semana trabalhosa.
E se o restaurante eleito tinha que ser um cujo chefe não estivesse ocupado numa das tasquinhas do Peixe em Lisboa, o Feitoria, já com prometida carta de Primavera, reunia todos os critéritos de escolha para essa noite.
Ainda inconformada com a descida da temperatura noturna, procuro então agasalho para o ânimo.
Na carta, das entradas às sobremesas, todos os pratos têm a indicação do tempo de confecção, um detalhe pouco habitual que merece ser replicado.
Para mim, de entrada, uma salada de sapateira com notas citricas, funcho e coração de tomate. Para o prato ao lado é pedido o presunto de porco alentejano, gema 63º c e espargos verdes.
Enquanto espero os 12 minutos apontados , e não faço ideia se foram 12, 15 ou 18, que tinha mais com que me entreter do que consultar o relógio que não uso, chega à mesa uma fatia de pão branco e um quadradinho de foccacia para fazer companhia a uma deliciosa manteiga de ovelha. Só não aprovo a foccacia. Notava-se ainda, no interior, o azeite com que tinha sido previamente regada, mas nem assim se escondeu a secura da massa.
De amuse bouche, apresenta-se um naco de pargo em caldo de cogumelos. Simples, suave, equilibrado, embora o ponto de cocção da albumina tenha “empalhado” a textura do peixe.
Sem pancadinhas de Molière, mas a merecerem aplauso, chegam as entradas. A sapateira apresenta-se desfiada, com um lombinho inteiro a um dos cantos. Em boa temperatura, sem o frio de frigorifico que, por vezes, se encontra por aí.
O presunto alentejano trás uma gema de ovo a baixa temperatura, puré de batata “ratte”, espargos verdes salteados e pó de presunto, aqui numa versão quimica com efeito visual, mas sem nada acrescentar no sabor. Uma composição interessante que vale pela matéria prima. O presunto, de origem certificada; a batata, a favorita dos chefes franceses, já que é considerada a melhor para fazer puré.
Serviço sempre vigilante, embora discreto, não deixa que os copos de vinho ou da água fiquem vazios.
Segue-se o prato principal.
Pregado com texturas de ervilhas e salpicão de Vinhais.
Um e outro, os peixes, no ponto certo e com a frescura que se impõe. Boa ligação a do pregado com as ervilhas e o salpicão. Irresístivel. Cheio de cor e sabor. O puré de ervilhas , intenso; as vagens e as “balas” de ervilhas a darem a textura pretendida. O salpicão, é rei. Gostoso.
Menos empolgante, mas bom também, o contraste de intensidades e de sabores do salmonete com o macarrão recheado de lavagante.
Não cheguei às sobremesas e ficou a faltar uma conversa com o chefe. José Cordeiro não veio às mesas. Uma prática introduzida pelos franceses que me agrada e que marca também a diferença entre uma cozinha anónima ou de autor. Peço desculpa pela comparação - se é que há lugar a pedido de desculpas - mas é a diferença entre um pronto a vestir e um alfaiate.
No jogo de palavras, recorro ao lugar comum para dizer que é uma benfeitoria, a cozinha de José Cordeiro. Madura, quase sem falhas. O serviço de sala a condizer. E não tem nada a ver com o Mensagem, do outro lado do edificio do mesmo hotel.
Partilham as vistas, só isso. Ali, o ambiente é informal, mais concorrido, e as refeições mais ligeiras, mas não consigo imaginar uma cozinha onde não há um moinho de pimenta. No entanto, foi o que aconteceu , com um carpaccio de novilho. Foi também a última vez que lá fui almoçar. Peço o moinho da pimenta preta para retificar o carpaccio pobre de tempero e... - ”não temos. Só pimenta já moída”. “Nenhum? Nem lá dentro, na cozinha? Daqueles simples, de plástico?”. Não!!! A atribuição de dois garfos do Lisboa à Prova só pode ter sido um equívoco.
Este parentesis leva-me à “piquena” dúvida, que permanece nesta cabecinha loira: o que motivou, há uns anos, o guia Michelin a premiar José Cordeiro, na Casa da Calçada e a deixá-lo fora do estrelato, à beira Tejo? Será que estar ou não integrado no grupo Relais Chateaux faz a diferença?
Dubito, ergo cogito, ergo sum.