“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Bistro 100 Maneiras – “À maneira!...”

É imagem de marca dos restaurantes de Ljubomir Stanisic. O branco e o preto.  São cores neutras, mas a cozinha deste sérvio alfacinha, de neutra, não tem nada. É talentosa, por vezes, provocadora.

Mais uma vez, neste bistro 100 Maneiras, o branco das paredes e tectos domina o ambiente. Confere personalidade ao restaurante, no contraste com o chão preto.  Estantes de garrafas por detras do balcão em pedra negra fazem de objectos decorativos. Uns pássaros em loiça preta esvoaçam no conjunto.  Os dourados dos corrimões remetem para um estilo clássico, mas o que sobressai é um espaço moderno, elegante e aconchegante. Onde apetece estar.

Na provocação do destino, este bristro (é mesmo assim, sem assento circunflexo) foi-se plantar quase em frente ao Tavares rico do José Avillez, ele que já foi sócio de Ljubomir no primeiro 100 Maneiras, em Cascais. Avillez já tem uma estrela Michelin, Ljubomir está longe desse brilho, ainda assim, merecedor de boa nota.

De Cascais veio para o antigo Olivier, da Rua do Teixeira, no coração do Bairro Alto. Mantém-se esse  100 Maneiras, formatado num menu de degustação pensado à medida da minúscula kitchenette que suporta a sala. Uma fórmula de sucesso mas que impedia este jovem jugoslavo de ganhar asas. Agora, na Rua da Misericórdia, pode tirar proveito de mais espaço e visibilidade para retomar uma cozinha mais inspirada.

Aberto há poucas semanas, dei-lhe tempo para que se instalasse.  Passado esse “período de nojo”, lá fui eu enfrentar o trânsito/estacionamento do Bairro Alto numa sexta-feira à noite. 

Sem paciência para andar às voltas à procura de um lugar para o carro, conformei-me com o “Alto do Parque”.  “Tem lugar no -4”, avisa-me uma voz, ao mesmo tempo que me entrega o tikect. E, no soar das estopinhas, vocifero que devia estar na prisão quem autorizou o licenciamento deste parque de estacionamento que viola todas as medidas do bom senso e da legislação. O certo é que, à boa maneira portuguesa, abriu, continua a funcionar e, apesar dos protestos, eu continuo a usá-lo quando necessário. Seja! Garante-me que fico a poucos metros do restaurante e a minha destreza  permite-me que vença a exiguidade do espaço. Mas as marcas nas paredes estão lá, a atestar que aquilo não serve para carros maiores e condutores menos ágeis.

Subo uns 50 metros da Rua da Misericórdia e dou por mim num acolhimento simpático e caloroso, a ser encaminhada para a mesa reservada. Na sala de baixo, ficam os fumantes, no primeiro andar, a zona de não fumadores.

Os atoalhados mantêm a brancura do tom, as cadeiras, herdadas de anteriores decorações, só não destoam por serem tão confortáveis.

Mas vamos à ementa que é o que importa para afagar o estomago.  Um  plastificado negro, preso a um suporte metálico, permite uma consulta simultânea para os dois lados da mesa.  Carta dividida entre o picanço  que, entre parentesis, esclarece serem petiscos;  os clássicos que são os êxitos firmados do chefe merecem lugar de honra; os pratos principais surgem com a curiosa designação de “o resto é conversa”. Há também umas degustações para corajosos antes do “ final feliz” das sobremesas.

Sem querer ser exaustiva, que o meu Alzheimer não me deixa recordar a lista completa, o picanço passa por cascas de batata com ervas aromáticas,  burek jugoslavo de queijo fresco e espinafres, atum braseado, Tarte de foie, morcela, maçã e flor de sabugueiro ou, ainda, a empada de caça. Para corajosos, há molejas, caviar e maranhos.

Nos pratos principais, retenho as escolhas da mesa do lado, as vieiras, palha de alho e espargos e a marmita de peixe. Bem sei que é feio olhar para os pratos vizinhos, mas confesso a indelicadeza. E, a avaliar pelo ar de agrado dos comensais, terão passado no exame. No top ten de êxitos está inscrito um risotto de cogumelos, um borrego em pistaccio ou as bochechas de porco preto. Ficam na lista.

Na dúvida de opções, peço um esclarecimento ao empregado que naquele momento me enchia os copos com água. Recebo de pronto um “não sei, sou empregado de bar”. Ooops, resposta errada!!! Há cem maneiras de confessar não se estar preparado para ajudar o cliente, mas esta não é uma delas. De todo. Valeu que se prontificou a chamar um colega mais entendido na carta. Apenas um detalhe, num serviço simpático, eficaz, embora muito corrido e que, no seu conjunto, deixa transparecer ter vestido a camisola.

Prestados os esclarecimentos pedidos, sou ainda informada que, fora da lista, havia uma salada jugoslava, feita pela mãe do chef, também ela a meter a colher nesta cozinha.

Escolha estabilizada em quatro petiscos a partilhar por duas pessoas. Preparava-me para pedir o prato principal não fosse o conselho avisado do empregado a sugerir que me ficasse apenas pelos picanços e que verificasse depois se ainda teria espaço para mais. Não tinha, não senhora!!! Nem mais uma migalha...

Para a próxima vou ter de cortar nas entradas para chegar ao “resto da conversa”.

O couvert só veio para a mesa com autorização prévia, um procedimento pouco habitual nos restaurantes portugueses.  Merece aplauso, o gesto e o conteúdo. Uma serapilheira com fatias de pão tipo alentejano e broa de milho. Azeite com uma haste de tomilho e manteiga de ovelha servida numa lata de caviar (???). Manteiga aprovadissima, mas pergunto-me qual será a ligação. Caviar, ovelha, manteiga...confesso que não imagino, nem vejo vantagem visual nas ditas latinhas.

Seguimos a sugestão da salada da mãe do chef, em boa hora. Um mil folhas em cilindro com pimento vermelho assado, fiambre, queijo fresco cremoso e cornichons, tudo assente num blini. Conjunto agradável, fresco, a fazer boa companhia a outro petisco que chegou à mesa em simultâneo, o burek jugoslavo de espinafres. Pelo tamanho, só por si, vale uma refeição. Um pastel de espinafres e queijo fresco em embrulho de massa filo servido num tachinho de cobre com uma quenelle de creme fraîche limonado. Por excesso de cozedura ou tempo de espera, o recheio a revelar-se ligeiramente seco, mas o pastel agradou.

No segundo tempo, em ardósias separadas, dois pastelinhos de caça e kadun boutich que me descrevem como uma entrada jugoslava de figados, semelhante a uma patanisca, mas sem farinha. Almôndegas espalmadas, parece-me ser a imagem mais precisa. O sabor forte dos figados só é suavizado pelo creme fraîche com cebolinho que se apresenta ao lado.

O pastel de caça,vulgar. Não deslumbrou. E o cremoso de queijo da ilha com trufa que lhe serve de companhia pode ser mais-valia visual, mas, em sabor, não acrescentou nada.

Para este jantar de entradas foi escolhido um Vallado tinto 2008, de créditos firmados.

A carta de vinhos cumpre. Rótulos variados a preços que começam nos 13 euros do Cono Sur Carmenere, um tinto chileno versátil, até aos 900 euros pedidos para um Barca Velha de 1982.

Um restaurante com personalidade animada que promete ser uma formula de sucesso a preços pouco salgados.

Bistro 100 Maneiras
Largo da Trindade, 9
1200-466 Lisboa
Tlf 210990475 / Tm 910307575

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