“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Gspot – A poesia na cozinha ou como pequeno pode ser igual a grande



O restaurante é pequeno? É.

É simples? Também.

E a cozinha é ainda mais minúscula, mas grandiosa na criatividade de João Sá e André Simões. Uma dupla de jovens que se diverte a construir ligações entre ingredientes e entre estes e o vinho criteriosamente escolhido pelo escanção Manuel Moreira. Resulta sempre? Nem sempre, mas quase sempre! Junto a este trio, a eficácia do serviço é garantida pelo chefe de sala Giscard. Brasileiro rendido a Portugal,que procura, com mestria, acarinhar e interpretar a vontade e gosto dos clientes, sem perturbar o ambiente intimista e acolhedor.

Já me vi em Paris, num restaurante estrelado, a desejar estar sentada a uma das mesas deste Gspot. Já regressei do Algarve, a alta velocidade, com saudades de jantar em Sintra, apesar do agrado com que aprecio a alta cozinha de alguns restaurantes algarvios.

O que é que o Gsopt tem para me fazer sempre esta vontade de voltar...todas as semanas?

A excelência da simplicidade. A irreverência e a criatividade. O risco. A ousadia e a descoberta.

Quantas e quantas vezes um sorriso de orelha a orelha procura que eu descubra como um banal produto recolhido de uma prateleira de supermercado é transformado num pitéu e faz a diferença no prato que está à minha frente! Quantas e quantas vezes, um copo à temperatura correcta me esconde previamente  o rótulo da garrafa para me dar à prova cega um vinho acessível ou um vinho menos conhecido... ou de outras origens, da Austrália, França, Itália ou Hungria. Tantas e tantas vezes, vinhos que desprezaria mas que os créditos de Manuel Moreira tornam perfeitos na ligação com os pratos. O meu palato bate palmas e entre o branco e tinto, a minha opção é, invariavelmente, a do vinho a copo, para seguir o menu de degustação.

Até há bem pouco tempo, o menu, de 4 pratos e amuse bouche, mudava todas as semanas. Essa vertigem deu agora lugar a uma rotação mais lenta e a uma carta consolidada numa oferta mais permanente. Dá maior flexibilidade, dizem-me.  Permite optar por uma refeição mais simples, à carta; ou, com base na carta, os clientes residentes podem construir o seu próprio menu.

Foi o que me aconteceu na última sexta-feira. Noite de chuva. Ainda assim não temi o IC-19. Será penoso para quem tem de o percorrer todos os dias, mas o facto é que, dois acidentes e, meia hora depois, estava abrigada do temporal. Demoro bem mais se tentar ir ao Bairro Alto ou a Santos, arriscando-me a mais três quartos de hora para encontrar um qualquer lugar manhoso para estacionar o carro.

Aqui, chegada a Sintra pelo Arco do Ramalhão, vencidas as curvas e contra curvas da tradicional e clássica entrada, viro obrigatoriamente à esquerda e logo à direita por uma ruela que vai dar à Biblioteca. Com o miradouro de frente, esquerda e... lugar à porta! Nem preciso de abrir o chapéu de chuva.

Sou de imediato brindada com um espumante da  Qta do Valdoeiro Baga/Arinto. Faz companhia, pouco depois, a um paté de pato com compota de frutos silvestres e crumble de broa. Um amuse buche cristão a combinar com este outono invernoso.

Antes, já tinha proibido o Giscard de trazer para a mesa o cesto de pãezinhos tentadores, quentinhos, a pedirem para serem demolhados no azeite ou barrados na manteiga de ervas. Assim não me zango com a balança e ganho espaço no estômago para o menu alternativo, cuja composição deixo ao critério do João e do André, já que o menu de degustação em vigor tinha sido provado e aprovado no jantar anterior. Tento preservar o mistério, que sinto ter perdido um pouco, com esta evolução no conceito agora adoptado de menu mensal. Gosto da surpresa à mesa, de não saber o que vou comer, de não ter que olhar para uma carta e escolher e, uma das vantagens de ser “cliente da casa”, é, aqui, já saberem do que gosto e não gosto. Sabem que não vale a pena vir para o meu prato, por exemplo, sardinha ou cavala, cabrito ou borrego. Vade retrum!!!

Liberta desse risco, entrego-me, então, à inspiração da dupla. Lombo de bacalhau confitado com gaufre de batata-doce e compota de tomate. Oh, deuses! E a gaufre a apresentar-se ainda com um derretido de queijo da serra. Uma combinação excelente com o bacalhau a provar ter sido sujeito a boa demolha e a um confitado perfeito. Irresistível. Merece entrar para a galeria dos clássicos desta season. Quinta de Melgaço, um Alvarinho de 2009, revela um bom compromisso para o prazer do prato.
Seguem-se uns rolinhos de linguado com canneloni de caldeirada. Sem o creme de coentros que consta na descrição da carta. Ainda assim, uma composição interessante. O peixinho no ponto, sabor suave, a deixar que o recheio dos canneloni se imponha. A harmonia vinica fez-se com um tinto do Alentejo, o Herdade Torais, 2007.

Do açouguinho veio o cachaço de Porco Ibérico estufado com puré de maçã e espargos. Ao nível do Clos L’obac 2004 Priorat que chegou no copo.
Suculenta, a carne. Gulosa, tal como o vinho da Catalunha. O puré com um perlimpimpim de caril a fazer vibrar o conjunto. Os espargos numa textura irrepreensível. A merecer vários olés!!! E foi a muito custo que deixei um naco no prato para ainda ter espaço para a sobremesa que vinha a seguir.

Migas de chocolate com transparência de Manchego, sorvete de manjericão e laranja confitada. Nham-nham!!! Rendo-me completamente à ligação do chocolate com o queijo. Migas ricas que, nesta versão, não se poupa no chocolate. O sorvete e a laranja fazem o par ideal. Muito feliz.
Cereja no bolo, sou confrontada com um colheita tardia tinto, da herdade de S. Miguel. Não é engano, não senhora, colheita tardia...tinto. Muito interessante! É mais uma descoberta...Já tinha ouvido falar do Alcubíssimo, da zona de Azeitão, mas nunca provei. Este, da Herdade de São Miguel, foi um ensaio e não vai ser lançado no mercado. Pena, mas pode ser que, para o próximo ano, Alexandre Relvas se aventure.

São as pitadas de ousadia que fazem a diferença entre o bom, o magnifico ou o sublime. Na cozinha, assim como na garrafeira do Gsopt, nem tudo é magnífico, nem tudo é sublime, mas é sempre bom.

E se alguma coisa correr menos bem, falem com o João ou com o André e voltem na semana seguinte. Vão ver como eles reconhecem e aprendem com os erros e, com modéstia agradecida, lhe demonstram o que os faz, todos os dias, meter a colher no tacho...

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2710-426 Sintra
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