“O prazer da comida é o único que, desfrutado com moderação, não acaba por cansar”

Brillat-Savarin


terça-feira, 19 de outubro de 2010

Gspot – outra vez...a cantar hossanas


Já se percebeu que este restaurante despretencioso, mas de simplicidade requintada é “a minha cantina”. É rara a semana que não vá lá jantar. Mas não voltaria a referência tão imediata não fosse obrigatório deixar aqui uma ode ao Menu de Outubro.

Fiel ao velho ditado popular de que tristezas não pagam dívidas, escapei à tortura da via sacra entre o Terreiro do Paço e São Bento de um Orçamento de Estado fora de prazo que tem de ser aprovado a-todo-o-custo e fugi para a Sintra do Eça, que há mais de 100 anos, já dizia que isto não é um país mas um sítio mal frequentado. “ Nada há de mais ruidoso, e que mais vivamente se saracoteie com um brilho de lantejoulas - do que a política” dizia ainda o nosso clarividente Eça de Queiróz.

Com o estômago embrulhado nestas reflexões, fui para a mesa, para o lugar dos risos.  Um pedaço de atum braseado numa cama de alfaces é o primeiro mimo que me chega da cozinha. Simples, delicado. Pressinto grandes alegrias e não me enganei.

Esqueço as contas, os impostos  e o FMI e embalo na suavidade do creme de castanhas e funcho com azeite de trufa. Os fiapos do bulbo de funcho a pontuar o aveludado com o sabor que lhe é caracteristico de erva-doce, mas a surgir aqui suave, ligeiramente adocicado. Pura volupia com o fio de azeite de trufas. Deslumbrante! A pedir para parar o tempo e reter o sabor na boca. Para partilhar o trono, os pergaminhos de um Kopke branco 40 anos. Não há dúvida, a vida só quer que sejamos felizes.
De alma lavada, parto para a corvina salteada com puré de aipo e caviar de beringela. O peixe bem tratado, o caviar de beringela a mostrar bom tempero, o puré de aipo, sedoso, espevitado com amendoas partidas. Perfeita alquimia. A ligar bem o Torais Branco 2009.

Na minha lista de ais e uis conto ainda com asa de pato confitada com estufado de lentilhas. U-lá-lá!!! Duas asinhas a derreterem-se na boca, as lentilhas macias, o estufado a demonstrar bom porte pontuado por sabores de morcela. Ligação muito bem comportada a despertar várias exclamações, acentuadas pelo Quinta da Sequeira Grande Escolha 2005. Um tinto a mostrar garra.

Confortada com os sacramentos da santa madre cozinha, há espaço para uma tarte de limão desconstruida a cativar os cinco sentidos. Suave, leve, doce q.b. Bem inspirada na companha de um Vista Alegre Tawny 20 anos.

Na quietude do prazer, sobra ainda a imagem que entra pela janela e volto ao Eça: “as duas chaminés colossais, disformes, resumindo tudo, como se essa residência fosse toda ela uma cozinha talhada às proporções de uma gula de rei que cada dia come todo um rei”. Fica a esperança que as anunciadas medidas draconianas ainda nos deixem uns trocados nos bolsos para um prato de lentilhas.

Sem comentários:

Enviar um comentário