O restaurante está integrado num luxuoso e exclusivo resort,
situado no topo de uma colina, inclinado sobre o Atlântico. Transposto o
portão, quase ninguém se apercebe da estragada e feia vizinha Armação de Pêra.
Para lá dos muros, impera o luxo, o bom gosto, num ambiente tranquilo de jardim
tropical sobre o mar.
A circulação é condicionada por forma a preservar o bem-estar
e sossego dos clientes, quase todos estrangeiros, a maioria alemães e ingleses.
Os carros só vão até ao parque de estacionamento, logo à entrada, e a
deslocação para o restaurante, só se faz mesmo a pé ou, então, requisitando um
carrinho de golf.
Numa daquelas quentes noites de Agosto, fui la jantar. Ainda
não se falava no corte do subsídio de férias…
Noite de Lua cheia, permitiu usufruir, com todo o esplendor,
da pequena varanda.Serviço exemplar, a fazer chegar à mesa, sem grande demora, o pré-couvert. Uma tábua onde se alinhavam finger foods: almôndega de alheira, linguado na gelatina de noz, frango picante e um cone de massa filo com pate de sardinha com caviar de truta, a que se junta ainda um crocante de batata-doce.
Criatividade na apresentação, com o linguado preso a uma espinha de peixe.
Para o Amuse bouche, a loiça está conformada a uma trilogia,
seguindo o princípio da matrioska, brinquedo tradicional da Rússia, constituído
por uma série de bonecas, colocadas umas dentro das outras, da maior até à mais
pequena. Neste caso, os pratos também encaixam uns nos outros.
Por cima, uma espuma de escabeche com cavala – que me dizem
ser conjunto em que o escabeche muito suave não morre no sabor intenso da
cavala.
Por fim, um gaspacho de lúcia, com tártaro de atum e frango –
porventura o melhor de todo o entretém
Foi o terceiro jantar que fiz no Ocean. No verão de há dois
anos, tive a sorte de lá ir por duas vezes. E, de um ano para outro, percebo o
esforço do jovem chef de lutar pela segunda estrela. Na evolução, ganhou maturidade.
O menu, garante-me a chefe de sala, vai variando, ao sabor da
inspiração do cozinheiro.Nessa noite, para primeiro prato de peixe, foi escolhida uma dourada selvagem.
A servir de cama, uma espécie de lasanha, com caneloni de rábano picante, salicórnia e cornichons. Na miscelânea de sabores, ainda uma espuma de marisco, geleia de cornichon e rábano picante,e uma saladinha berbigão, percebes e lulinhas bebes. Tudo se conjugou, na cor e no palato.
Seguiu-se um outro peixe. Robalo com peito de vitela, alcaparra panada e uma folha de ostra. Mais uma espuma, creme de trevo. Excelente combinação de peixe e carne nobres, em que a diferença singularizava cada sabor.
Se algum defeito posso apresentar dessa noite, é,
precisamente, o abuso de espumas.
Para prato de carne, apresentou-se um lombo de borrego com
cebolinha confitada e recheada com…mais uma espuma! Esta de batata. Para o
registo do prato, conta ainda a telha de favas bebé, uma lâmina de toucinho
entre a telha e o borrego, amêndoa verde e favinhas num molho de sobrasada.
Como o borrego está para as carnes como a sardinha para os peixes…niet! Nein! Bec!!! Gentileza do chefe, mereço um lombo de porco com várias texturas de beterraba: beterraba crocante, beterraba juliana, rebuçado com recheio de porco. Beterraba e, claro… a espuma…
Lindo! Uma pintura no prato que não se ficou só pelo excelente visual.
Faltavam os doces, embora já com pouco espaço no estômago.
Do guião do jantar, constou uma pré-sobremesa.
Gelado de amêndoa com bolo Nova Iorque. Tradução: petit gateau. Com redução de balsâmico e caramelo. Não sei se cumpre o conceito de pré-sobremesa.
E, finalmente, a bica.
Chocolate preto com maracujá, manga e mousse de chocolate branco. De grande qualidade!
Plenamente repletos, já não há espaço para mignardises. Mas
para garantir que os comensais experimentam as miniaturas do chefe, é
disponibilizada uma caixinha para mais tarde provar.
Cozinha de exposição. Elegante. Na memória deste jantar,
guardo a ambição de Hans Neuner em mostrar numa só refeição todo o talento. E
invoco nessa noite um diálogo recente que tive com outro chefe estrelado, José
Avillez, que me confessava estar convicto de que a forma de garantir a
manutenção da ambicionada estrela Michelin, é trabalhar para conquistar a
segunda estrela.
Não sei se Avillez partilhou a receita com Hans, mas, nessa noite, fiquei convencida que o jovem chefe austríaco perseguia esta lógica. Confirma-se agora que a estratégia teve sucesso. A competir com Koshina, apenas a uns quilómetros de distância.